Autor: Orham Pamuk
Título: Outras cores
Editora: Editorial Presença
Género: Ensaios
Lisboa 2009
424 páginas
Resumo: Numa
recente visita a Portugal para receber o Prémio Europeu Helena Vaz
da Silva, pelo seu reconhecido contributo para a promoção e
valorização do património cultural europeu, Orhan Pamuk deixou a
seguinte mensagem: “A herança cultural europeia não se deve
limitar à preservação dos seus monumentos mas também à
preservação dos seus valores fundamentais e a Europa deve ter uma
discussão séria sobre esses mesmos valores fundamentais”. Na
verdade, as preocupações de Pamuk, situam-se sempre em questões
fronteiriças, limístrofes e na demanda pela identidade de um país
que divide o Ocidente e o Oriente, nesta permanente dialéctica entre
a modernidade europeia e a tradição muçulmana.
Arquitecto
e Jornalista de formação, apesar de nunca ter exercido nenhuma das
duas actividades, Orhan Pamuk mantém o olhar crítico sobre a
arquitectura da sociedade e o sentido apurado na análise e denúncia
dos seus problemas. Nesta colectânea de reflexões, desabafos,
pensamentos e confissões, redigidos em formato de ensaio, o Nóbel
turco revela uma postura desalinhada, dissonante, por vezes amarga,
inerente a qualquer análise lúcida da realidade. Esta obra
divide-se em seis grandes grupos: i) Vida e Preocupações, ii)
Livros e Leituras; iii) A Política, a Europa e outros problemas por
sermos nós mesmos, iv) Os meus Livros são a minha vida e v) Outras
cidades, outras civilizações. Nem sempre estas divisões
correspondem a arrumações conceptuais estanques porque sentimos ao
longo da leitura que a sua vida pessoal com a mulher e a filha o
levam a questionar todas as outras questões exógenas, históricas e
circunstanciais, como se de uma força centrípeta se tratasse, que
outorga coesão e unidade ao foco das suas preocupações.
Quando
um livro é assim concebido, oferece-se aos olhos do leitor dando-lhe
a possibilidade de participar de forma subjectiva, livre e pessoal,
procurando resposta e reflexão para as suas próprias curiosidades e
inquietações. Realço, por isso, dois ensaios muito particulares,
que se relacionam, que se complementam e que se justificam
mutuamente, talvez por isso escolhidos para abrir e encerrar o livro.
A
Mala do meu pai é o título da conferência proferida no
momento de entrega do prémio Nobel na Suécia. E porque nunca
chegamos ao topo da montanha sem reconhecer o caminho que foi
trilhado até lá, o escritor fala sobre a mala e os pertences
escritos que seu pai lhe deixou e com isso aproveita o pretexto para
discorrer sobre a sua relação com a Literatura e o seu (re)e auto
conhecimento nela pois “o escritor que se fecha num quarto e que,
antes de mais, viaja ao interior de si mesmo, descobrirá com o
passar dos anos a eterna regra de literatura: ter de possuir a
capacidade de contar as suas histórias como se fossem as de outros e
contar as de outros como se fossem as suas". Neste discurso
transparente honesto, íntegro mas também nostálgico, temeroso e
revoltado, Orhan Pamuk confessa as razões por que escreve e alguns
desses argumentos são bastante desarmantes e intimistas, por vezes
num tom algo amargurado: “Eu escrevo porque não consigo fazer um
trabalho normal como as outras pessoas. Escrevo porque estou zangado
com todos vós, porque estou zangado com toda a gente. Escrevo porque
só consigo participar na vida real transformando-a. Escrevo porque
gosto da glória e do interesse que a escrita nos traz. Escrevo para
estar só. Talvez escreva por querer compreender porque razão estou
tão, tão zangado com todos vós, tão, tão zangado com toda a
gente. Escrevo porque gosto de ser lido. Escrevo porque é
entusiasmante transformar todas as belezas e riquezas do mundo em
palavras. Escrevo porque nunca consegui ser feliz. Escrevo para ser
feliz”.
Numa
viagem regressiva até ao primeiro texto do livro intitulado O
Autor implícito, Pamuk afirma a este propósito que «a
literatura não permite a um tal escritor pensar que salva o mundo;
em vez disso dá-lhe a hipótese de não desperdiçar o dia. E todos
os dias são difíceis especialmente difíceis quando não se
escreve».
Escrever
é sempre um exercício paciente, um trabalho permanente e
persistente, sem espaço para resiliências e onde deve haver espaço
para o imprevisto, para o inusitado e para a surpresa. É pelo facto
do escritor se sentir surpreendido pela sua própria escrita que o
torna actor depois de ter sido agente da construção literária. Tal
como na vida, em qualquer viagem, antes de partir fazemos planos:
escolhemos a história, determinamos os portos a visitar, as cargas a
transportar, calculamos tempos e distâncias, cartografamos o
itinerário, o caminho dos sonhos e das vontades. Contudo, o vento
surge dos quadrantes mais imprevisíveis e decide mudar a direcção
e introduzir novas coordenadas. Quando ele acalma, encontramo-nos em
lugares que nunca esperávamos conhecer, em águas calmas e enevoadas
e percebemos que, tendo feito muito pouco para isso, fizemos avançar
o romance, a viagem, a vida.
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