terça-feira, 14 de abril de 2015

Outras Cores

Autor: Orham Pamuk
Título: Outras cores
Editora: Editorial Presença
Género: Ensaios
Lisboa 2009
424 páginas


Resumo: Numa recente visita a Portugal para receber o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva, pelo seu reconhecido contributo para a promoção e valorização do património cultural europeu, Orhan Pamuk deixou a seguinte mensagem: “A herança cultural europeia não se deve limitar à preservação dos seus monumentos mas também à preservação dos seus valores fundamentais e a Europa deve ter uma discussão séria sobre esses mesmos valores fundamentais”. Na verdade, as preocupações de Pamuk, situam-se sempre em questões fronteiriças, limístrofes e na demanda pela identidade de um país que divide o Ocidente e o Oriente, nesta permanente dialéctica entre a modernidade europeia e a tradição muçulmana.
Arquitecto e Jornalista de formação, apesar de nunca ter exercido nenhuma das duas actividades, Orhan Pamuk mantém o olhar crítico sobre a arquitectura da sociedade e o sentido apurado na análise e denúncia dos seus problemas. Nesta colectânea de reflexões, desabafos, pensamentos e confissões, redigidos em formato de ensaio, o Nóbel turco revela uma postura desalinhada, dissonante, por vezes amarga, inerente a qualquer análise lúcida da realidade. Esta obra divide-se em seis grandes grupos: i) Vida e Preocupações, ii) Livros e Leituras; iii) A Política, a Europa e outros problemas por sermos nós mesmos, iv) Os meus Livros são a minha vida e v) Outras cidades, outras civilizações. Nem sempre estas divisões correspondem a arrumações conceptuais estanques porque sentimos ao longo da leitura que a sua vida pessoal com a mulher e a filha o levam a questionar todas as outras questões exógenas, históricas e circunstanciais, como se de uma força centrípeta se tratasse, que outorga coesão e unidade ao foco das suas preocupações.
Quando um livro é assim concebido, oferece-se aos olhos do leitor dando-lhe a possibilidade de participar de forma subjectiva, livre e pessoal, procurando resposta e reflexão para as suas próprias curiosidades e inquietações. Realço, por isso, dois ensaios muito particulares, que se relacionam, que se complementam e que se justificam mutuamente, talvez por isso escolhidos para abrir e encerrar o livro.
A Mala do meu pai é o título da conferência proferida no momento de entrega do prémio Nobel na Suécia. E porque nunca chegamos ao topo da montanha sem reconhecer o caminho que foi trilhado até lá, o escritor fala sobre a mala e os pertences escritos que seu pai lhe deixou e com isso aproveita o pretexto para discorrer sobre a sua relação com a Literatura e o seu (re)e auto conhecimento nela pois “o escritor que se fecha num quarto e que, antes de mais, viaja ao interior de si mesmo, descobrirá com o passar dos anos a eterna regra de literatura: ter de possuir a capacidade de contar as suas histórias como se fossem as de outros e contar as de outros como se fossem as suas". Neste discurso transparente honesto, íntegro mas também nostálgico, temeroso e revoltado, Orhan Pamuk confessa as razões por que escreve e alguns desses argumentos são bastante desarmantes e intimistas, por vezes num tom algo amargurado: “Eu escrevo porque não consigo fazer um trabalho normal como as outras pessoas. Escrevo porque estou zangado com todos vós, porque estou zangado com toda a gente. Escrevo porque só consigo participar na vida real transformando-a. Escrevo porque gosto da glória e do interesse que a escrita nos traz. Escrevo para estar só. Talvez escreva por querer compreender porque razão estou tão, tão zangado com todos vós, tão, tão zangado com toda a gente. Escrevo porque gosto de ser lido. Escrevo porque é entusiasmante transformar todas as belezas e riquezas do mundo em palavras. Escrevo porque nunca consegui ser feliz. Escrevo para ser feliz”. 
Numa viagem regressiva até ao primeiro texto do livro intitulado O Autor implícito, Pamuk afirma a este propósito que «a literatura não permite a um tal escritor pensar que salva o mundo; em vez disso dá-lhe a hipótese de não desperdiçar o dia. E todos os dias são difíceis especialmente difíceis quando não se escreve».
Escrever é sempre um exercício paciente, um trabalho permanente e persistente, sem espaço para resiliências e onde deve haver espaço para o imprevisto, para o inusitado e para a surpresa. É pelo facto do escritor se sentir surpreendido pela sua própria escrita que o torna actor depois de ter sido agente da construção literária. Tal como na vida, em qualquer viagem, antes de partir fazemos planos: escolhemos a história, determinamos os portos a visitar, as cargas a transportar, calculamos tempos e distâncias, cartografamos o itinerário, o caminho dos sonhos e das vontades. Contudo, o vento surge dos quadrantes mais imprevisíveis e decide mudar a direcção e introduzir novas coordenadas. Quando ele acalma, encontramo-nos em lugares que nunca esperávamos conhecer, em águas calmas e enevoadas e percebemos que, tendo feito muito pouco para isso, fizemos avançar o romance, a viagem, a vida.  


Palavras-Chave: Identidade, Ocidente/Oriente, Viagens exteriores e interiores, Escrita

Sem comentários:

Enviar um comentário