Autor: José Saramago
Título: O Conto da Ilha Desconhecida
Editora: Caminho - LeYa
Género: Conto Literário
Edição: 12ª 2013
48páginas
O único
conto do nobel português reconhece que não é preciso ser uma obra de fôlego
para exibir profundidade, mostra que a
consistência filosófica vem revestida de simplicidade literária, revela que a
ironia é sempre o expediente mais mordaz e retórico da persuasão e confirma,
ainda, que a natureza humana tem um espírito intemerado e ousado. Foi com essa
ousadia que um Homem bateu à porta do rei, que passava a vida dividido entre a
porta das petições e a porta dos obséquios – dividido sim, mas de forma
assimétrica, claro, sempre muito mais enternecido com a dos obséquios do que a
das petições.
Depois de
três dias deitado à porta do rei, o Homem foi finalmente atendido: queria um
barco que o levasse à descoberta da Ilha Desconhecida. Mesmo reticente e
bastante relutante ao facto de poderem ainda existir ilhas por descobrir - além
das que já estavam contempladas nos mapas - o rei acedeu ao pedido deste Homem,
por seu lado convicto de que se lhe chama desconhecida é precisamente por ainda
não ser sido encontrada. Nesta diametralidade de perspectivas e expectativas,
de bombordo a estibordo, se vai desenrolando o conto.
Pela porta
das certezas, saira a mesma funcionária da limpeza que tinha atendido o Homem,
agora convencida de que se queria dedicar a encontrar a dita Ilha
Desconhecida. Rapidamente, se empenhou nas arrumações do barco, colocou-o
em ordem, um barco que também passara a ser dela, a partir do momento em que
partilhava o mesmo sonho do Homem. Sem se apercebrem, começaram ali a viagem de
ambos, ainda em terra, a viagem que viria a ser a verdadeira empresa das suas
vidas já que «gostar é a melhor forma de ter e ter a pior forma de gostar».
A
indefinição dos nomes, do lugar e do tempo são coordenadas absolutamente
irrelevantes no conto pois o que insufla verdadeiramente as vontades também é
sempre indeterminado, desconhecido e intemporal: é essa sagacidade pelo que
está por conhecer, é essa insatisfação pelo que falta cumprir, é essa a vontade
pelo que está por fazer.
O Homem
que ainda nem tinha começado a recrutar tripulantes levava já atrás de si a
mais fiel das companheiras - surpresas à parte - é assim que o destino se
comporta connosco, já está mesmo atrás de nós a estender a mão para nos tocar
no ombro e nós ainda vamos, distraidamente, a murmurar. A partilha deste sonho
tornara-se agora na convicção profunda de que é necessário sair da ilha para
ver a própria ilha, não nos vemos se não sairmos de nós mesmos. Esta alteridade
no olhar, esse desafio aos limites e às limitações redimensionam-nos e
reajustam-nos, num mar de incertezas e possibilidades que não cabem no
expectável e que surpreendem sempre. Pela hora do meio-dia a Ilha
Desconhecida fez-se então ao mar, à procura de si mesma.
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