domingo, 12 de abril de 2015

O Conto da Ilha Desconhecida

Autor: José Saramago
Título: O Conto da Ilha Desconhecida
Editora: Caminho - LeYa
Género: Conto Literário
Edição: 12ª 2013
48páginas






            O único conto do nobel português reconhece que não é preciso ser uma obra de fôlego para  exibir profundidade, mostra que a consistência filosófica vem revestida de simplicidade literária, revela que a ironia é sempre o expediente mais mordaz e retórico da persuasão e confirma, ainda, que a natureza humana tem um espírito intemerado e ousado. Foi com essa ousadia que um Homem bateu à porta do rei, que passava a vida dividido entre a porta das petições e a porta dos obséquios – dividido sim, mas de forma assimétrica, claro, sempre muito mais enternecido com a dos obséquios do que a das petições.
            Depois de três dias deitado à porta do rei, o Homem foi finalmente atendido: queria um barco que o levasse à descoberta da Ilha Desconhecida. Mesmo reticente e bastante relutante ao facto de poderem ainda existir ilhas por descobrir - além das que já estavam contempladas nos mapas - o rei acedeu ao pedido deste Homem, por seu lado convicto de que se lhe chama desconhecida é precisamente por ainda não ser sido encontrada. Nesta diametralidade de perspectivas e expectativas, de bombordo a estibordo, se vai desenrolando o conto.
            Pela porta das certezas, saira a mesma funcionária da limpeza que tinha atendido o Homem, agora convencida de que se queria dedicar a encontrar a dita Ilha Desconhecida. Rapidamente, se empenhou nas arrumações do barco, colocou-o em ordem, um barco que também passara a ser dela, a partir do momento em que partilhava o mesmo sonho do Homem. Sem se apercebrem, começaram ali a viagem de ambos, ainda em terra, a viagem que viria a ser a verdadeira empresa das suas vidas já que «gostar é a melhor forma de ter e ter a pior forma de gostar».
            A indefinição dos nomes, do lugar e do tempo são coordenadas absolutamente irrelevantes no conto pois o que insufla verdadeiramente as vontades também é sempre indeterminado, desconhecido e intemporal: é essa sagacidade pelo que está por conhecer, é essa insatisfação pelo que falta cumprir, é essa a vontade pelo que está por fazer.
            O Homem que ainda nem tinha começado a recrutar tripulantes levava já atrás de si a mais fiel das companheiras - surpresas à parte - é assim que o destino se comporta connosco, já está mesmo atrás de nós a estender a mão para nos tocar no ombro e nós ainda vamos, distraidamente, a murmurar. A partilha deste sonho tornara-se agora na convicção profunda de que é necessário sair da ilha para ver a própria ilha, não nos vemos se não sairmos de nós mesmos. Esta alteridade no olhar, esse desafio aos limites e às limitações redimensionam-nos e reajustam-nos, num mar de incertezas e possibilidades que não cabem no expectável e que surpreendem sempre. Pela hora do meio-dia a Ilha Desconhecida fez-se então ao mar, à procura de si mesma.


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