domingo, 12 de abril de 2015

O Delfim

Autor: José Cardoso Pires
Título: O Delfim
Editora: Publicações D. Quixote
Género: Romance
264 páginas
18ª edição 1999 <1ª edição 1968





Resumo

José Cardoso Pires não é arquitecto de universos complexos ou de enredos que confrontem personagens em acções fundamentais para a trama dos seus destinos, é antes um escritor do tempo suspenso e de contratempos. Desengane-se o leitor se achar que este romance não lhe exige envolvimento hermenêutico porque vai deparar-se, permanentemente, com múltiplos indícios e com a proliferação de sinais de um mundo, que é preciso decifrar. Neste romance a história não se conta, desvela-se, oculta-se, atrai-nos e distrai-nos da revelação essencial.
O Delfim é o engenheiro Tomás Manuel Palma Bravo, um cognome mas acima de tudo uma forma de estar no mundo, uma forma de se afirmar na história, um caminho para ascender ao plano do mito. Delfim é um nome próprio e apropriado para um herdeiro do poder numa linha sucessória e de soberania, reflectida na posse de uma lagoa. A propriedade da lagoa valia para o engenheiro Palma Bravo precisamente por esse prazer da exclusividade, valia para Maria Mercês, sua mulher, como lugar de águas benéficas e portadoras de saúde e vida, mas valia para os caçadores, camponeses e operários sobretudo como símbolo do universo de valores e benefícios do qual estavam, fadadamente, excluidos. A lagoa representa este fio enigmático, convertido simbolicamente em fulguração sexual de um crime, que encerra segredos e alucinações, que cria um ambiente enevoado onde a culpa anseia por actuar tragicamente.  Temas como a maternidade, infecundidade, abandono do corpo da mulher, homossexualidade, incesto e adultério são revelados com nítida obsessão, num redemoinho de segredos, silêncios e omissões.
O Delfim pode ser lido sob o ângulo do “ruralismo português”, no seu machismo, na pax ruris de uma família Marialva, que carrega a maldição do tempo transposta para a maldição do lugar. Este sentido profético é construído pelos tempos verbais: todo o discurso está num presente que nasce pretérito e que se conjuga com alternância do condicional e do futuro. Nunca saímos de um tempo circular, que é o tempo imposto pela própria figura expansiva da lagoa, há apenas uma dobra, a cicatriz de um crime entre Tomás Manuel, Maria das Mercês e o criado Domingos, alguma coisa que não pode ser inteiramente dita. A tragédia é uma expiação colectiva de um mal, que percorria desde o início dos tempos, e que vai romper com o status quo vigente, dando livre acesso à lagoa com o fim das exclusividadade e com a dessacralização do espaço. O crime assinala a fractura da história, a passagem de uma idade de medos e repressões para uma nova era de transparência e igualdade.
O Delfim é um romance incontornável da Literatura Portuguesa do século XX e à luz da tradição neo-realista apresenta uma história marcada pela teorização marxista, com traços naturalistas já que as complexidades e perplexidades da natureza humana são espelhadas e metaforizadas na paisagem natural e animal como denominadores simbólicos. Os Gregos chamavam métis a este saber astuto, manhoso, maleável e malévolo, de um sujeito proteico, capaz de conhecer o outro para dominá-lo, regido por uma ética, neste caso não pela da natureza mas pela que é ditada pela convenção. 


PALAVRAS-CHAVE: Delfim, lagoa, triângulo amoroso, ruralismo português, crime.

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