Autor: José Cardoso Pires
Título: O Delfim
Editora: Publicações D. Quixote
Género: Romance
264 páginas
18ª edição 1999 <1ª edição 1968
Resumo
José
Cardoso Pires não é arquitecto de universos complexos ou de enredos que
confrontem personagens em acções fundamentais para a trama dos seus destinos, é
antes um escritor do tempo suspenso e de contratempos. Desengane-se o leitor se
achar que este romance não lhe exige envolvimento hermenêutico porque vai
deparar-se, permanentemente, com múltiplos indícios e com a proliferação de
sinais de um mundo, que é preciso decifrar. Neste romance a história não se
conta, desvela-se, oculta-se, atrai-nos e distrai-nos da revelação essencial.
O
Delfim é o engenheiro Tomás Manuel Palma Bravo, um cognome mas acima de tudo uma
forma de estar no mundo, uma forma de se afirmar na história, um caminho para
ascender ao plano do mito. Delfim é um nome próprio e apropriado para um
herdeiro do poder numa linha sucessória e de soberania, reflectida na posse de
uma lagoa. A propriedade da lagoa valia para o engenheiro Palma Bravo
precisamente por esse prazer da exclusividade, valia para Maria Mercês, sua
mulher, como lugar de águas benéficas e portadoras de saúde e vida, mas valia
para os caçadores, camponeses e operários sobretudo como símbolo do universo de
valores e benefícios do qual estavam, fadadamente, excluidos. A lagoa
representa este fio enigmático, convertido simbolicamente em fulguração sexual
de um crime, que encerra segredos e alucinações, que cria um ambiente enevoado onde
a culpa anseia por actuar tragicamente.
Temas como a maternidade, infecundidade, abandono do corpo da mulher,
homossexualidade, incesto e adultério são revelados com nítida obsessão, num
redemoinho de segredos, silêncios e omissões.
O Delfim
pode ser lido sob o ângulo do “ruralismo português”, no seu machismo, na pax
ruris de uma família Marialva, que carrega a maldição do tempo transposta
para a maldição do lugar. Este sentido profético é construído pelos tempos
verbais: todo o discurso está num presente que nasce pretérito e que se conjuga
com alternância do condicional e do futuro. Nunca saímos de um tempo circular,
que é o tempo imposto pela própria figura expansiva da lagoa, há apenas uma
dobra, a cicatriz de um crime entre Tomás Manuel, Maria das Mercês e o criado
Domingos, alguma coisa que não pode ser inteiramente dita. A tragédia é uma
expiação colectiva de um mal, que percorria desde o início dos tempos, e que
vai romper com o status quo vigente, dando livre acesso à lagoa com o
fim das exclusividadade e com a dessacralização do espaço. O crime assinala a
fractura da história, a passagem de uma idade de medos e repressões para uma
nova era de transparência e igualdade.
O
Delfim é um romance incontornável da Literatura Portuguesa do século XX e à luz
da tradição neo-realista apresenta uma história marcada pela teorização
marxista, com traços naturalistas já que as complexidades e perplexidades da
natureza humana são espelhadas e metaforizadas na paisagem natural e animal
como denominadores simbólicos. Os Gregos chamavam métis a este saber
astuto, manhoso, maleável e malévolo, de um sujeito proteico, capaz de conhecer
o outro para dominá-lo, regido por uma ética, neste caso não pela da natureza
mas pela que é ditada pela convenção.
PALAVRAS-CHAVE: Delfim, lagoa, triângulo amoroso, ruralismo
português, crime.
Sem comentários:
Enviar um comentário