domingo, 12 de abril de 2015

Novas Cartas Portuguesas

Autor: Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa
Título: Novas Cartas Portuguesas
Género: não integrável em nenhum género particular
Editora: Dom Quixote - LeYa
2ªedição anotada (10ªedição do texto) 2014
415 páginas





Elle flotte, elle hésite, elle est femme
Racine

Minhas irmãs: mas o que pode a literatura?
Ou antes: o que podem as palavras?
1/6/71

Resumo

Em Maio de 1971, três mulheres portuguesas fizeram um pacto literário que deu origem a uma das obras mais difundidas e traduzidas por todo o mundo e que deixa na História da Literatura e da Cultura Portuguesas uma marca indelével de valor incomensurável. O cerco ideológico-político que restringe as mulheres entre o que lhes é consentido e o que é lhes negado é mote para uma intervenção cívica, social, política e estética, na qual a causa feminina se digladia numa semelhante contradição entre a necessidade de alcançar a igualdade para poder conquistar o direito à diferença e  na descoberta da sua identidade. A obra oferece-se pelo prefácio de Maria de Lourdes Pintasilgo, escrito em 1980, através do seu olhar acutilante e certeiro, do seu saber enciclopédico e das suas palavras tão magistralmente cerzidas e profundamente interventivas.
Em Abril de 1972, o livro seria publicado com a chancela dos Estúdios Cor, com a direcção literária de Natália Correia, que mesmo tendo sido instada a cortar partes conseguiu publicar a obra na íntegra. Três dias após ter sido publicada a obra, a censura de Marcelo Caetano ceifou-a da mão colectiva, tendo sido imediatamente aberto um processo judicial contra as três autoras por «conteúdo insanavelmente pornográfico e atentatório contra a moral pública».
Imbuídas de um espírito visionário e ousado, uma das autores pediu a um amigo que levasse, clandestinamente, as Novas Cartas para o núcleo de feministas em Paris, que rapidamente tomou a iniciativa de as traduzir e esprair por outros pontos do mundo. A partir deste momento, o processo mediatizara-se internacionalmente, chamando a atenção do mundo para Portugal e para o cenário político que se atravessava.
O caso das «três Marias», como passaria a ser conhecido, levantou uma onda de solidariedade entre  a comunidade intelectual, instigou protestos e manifestações que tomariam proporções inimagináveis como a cobertura do julgamento por meios de comunicação - Le Monde, New York Times, Nouvel Observateur, L'Express, Libération e muitos outros canais norte americanos - passando pela defesa pública das autoras pelas vozes de Simone de Beauvoir, Marguerite Duras, Doris Lessing, Christiane Rochefort, Iris Murdoch. O caso chegou mesmo a ser votado em Junho de 1973, numa Conferência da National Organization for Women (NOW) em Boston, como a primeira causa feminista internacional. Portugal estava no palco do mundo e o seu regime político era agora alvo de escrutínio mediático.
Este livro escrito a seis mãos, formado por 120 textos que se entertecem, dialogam, relacionam e, acima de tudo, que se questionam e complementam internamente – entre cartas, poemas, relatórios, textos narrativos, ensaios, citações – retratam destemidamente uma sociedade definida pela guerra colonial, pela emigração, pela violência e extemporânea dos direitos das mulheres e da simetria social. As Novas Cartas foram por isso um libelo contra a ideologia vigente no período pré-25 de Abril. Na concepção e composição da obra, as três Marias inspiraram-se no romance epistolar Lettres Portugaises, publicado anonimamente por Claude Barbin em 1669, apresentado com uma tradução também anónima de cinco cartas de amor endereçadas a um oficial francês por Mariana Alcoforado, uma jovem freira enclausurada no convento de Beja. Estas mesmas cartas seriam publicadas 300 anos mais tarde, 1969, em edição bilingue pela Assírio Alvim sob o título de Cartas Portuguesas, com a tradução de Eugénio de Andrade. Entendemos agora por que razão foram estas designadas de Novas Cartas ainda que o adjectivo implique muitas outras considerações.
Estas três Marias comprometidas desde sempre com uma forte dimensão política, desafiaram os poderes vigentes, (re)desenharam os papéis sociais e sexuais das mulheres, fundaram um neofeminismo de vanguarda, desestabilizam as noções fixas de autoria e de autoridade, reequacionaram a noção de género literário, na senda da ruptura e da descontrução de paradigmas impostos. Gritaram em unissono: «Ninguém me peça, tente, exija, que regresse à clausura dos outros» mas sob a permanente constatação de que «definimo-nos para aqueles que nos amam pelos nosso limites de carne e de pele, de saber e de sentir, o contorno, a forma, é o que nos torna palpáveis e compreensíveis». E uma interrogação fica sempre em suspenso: «chegará tempo de amor, em que dois se amem, sem que uso ou utilidade mútua se vejam e procurem, mas, apenas prazer, prazer sí, no dar e no receber?
Mariana Alcoforado, uma freira de Beja, é o móbil destas Novas Cartas, enquanto estereótipo da mulher abandonada e impedida de viver um amor pelo cavaleiro de Chamilly, e em torno da qual gravitam muitas outras personagens, muitas outras histórias e desventuras, cruamente descritas e amargamente sentidas. Sente-se nestas Novas Cartas o contratempo de um nova geografia social e humana, a precocidade de um novo mapa de entendimento de uma humanidade comum. Não se  reduzem apenas a uma luta feminista pela afirmação e liberdade das mulheres, nem apenas a um retrato histórico das movimentações de um mundo imperial e de dominação, nem tão pouco a uma mera descrição dos impulsos e vontades sexuais, ou a simples grito estético e inconformado de três escritoras. Mas é, de facto, tudo isto amalgamado com tudo o resto que se possa afigurar aos olhos de cada leitor.




Palavras-chave: Neofeminismo, «três Marias», Mariana Alcoforado, imperialismo, machismo.  

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