domingo, 12 de abril de 2015

A civilização do Espectáculo

Autor: Mario Vargas Llosa
Título: A Civilização Do Espectáculo
Género: Ensaio
Editora: Quetzal
2ª edição 2013
220 páginas






Resumo:

A Civilização do Espectáculo é uma duríssima radiografia do nosso tempo, da nossa cultura, dos nossos vícios e perversidades, pelo olhar crítico e mordaz do nóbel peruano (2010). Vargas Llosa faz uma denúncia virulenta da metamorfose da palavra em imagem, do esvaziamento e destituição da Cultura, outrora consciência que impedia o virar de costas à realidade e que hoje é mero mecanismo de distração, entretenimento e alienação. São invocados oportuna e coerentemente vários estudos críticos em torno deste denominador comum – a crise e decadência da Cultura: viajamos desde escritores galardoados como T.S. Eliot, a Steiner, Guy Debord, Lipovetsky, Jean Serray, Octavio Paz, Ortega Y Gasset, Miguel de Unamuno, Sartre, Camus, Bertrand Russel, ao mestre da literatura erótica Guillaume Apollinaire, passando ainda por filósofos e pensadores prestigiados como Jacques Lacan, Julia Kristeva, Gilles Deleuze, Foucault, Paul de Man, Popper, Benjamin ou pelo psicanalista Sigmud Freud.
“A Cultura relega para o sótão das coisas passadas de moda o exercício de pensar e substitui as ideias pelas imagens” afirma Vagas Llosa, e por isso os filólogos são paladinos solitários, encerrados nas Faculdades de Letras. O ensaísta vai urdindo relações da Cultura com a drogas e o sexo, com a Economia, com a Política e Poder revelando como estão imbricadas todas estas formas de espectáculo, enquanto performance colectiva de relação social, ouçamo-lo: “a generalização do uso das drogas não responde à exploração de novas sensações ou visões empreendidas com fins artísticos ou científicos. Nem é uma manifestação de rebeldia contra as normas estabelecidas por seres inconformados. Nos nosso dias, este consumo de drogas está relacionado com um ambiente cultural que empurra o indivíduo na procura de prazeres fáceis e rápidos que os imunizem contra a preocupação e a responsabilidade, em vez do encontro consigo mesmos através da reflexão e da instrospeção, actividades eminentemente intelectuais”. Impera a questão: o que é que conduziu ao apoucamento e volatilização do intelectual no nosso tempo?
O nobel detem-se, prolongadamente, num capítulo dedicado à análise lúcida sobre a emancipação sexual que trouxe uma banalização e a morte do erotismo, porque a “Cultura moderna” vende sexualidade, lugar epónimo da revelação da intimidade do outro, num ritmo voraz de entretenimento e diversão frívolos, onde desembocou fatalmente esta liberdade conquistada pelas novas gerações. “O erotismo desapareceu como a crítica e como a alta cultura, que convertiam o acto sexual numa obra de arte e o impregnavam de virtuosismo estético, na manifestação do que de mais humano e criativo havia no Homem e não meramento assente num instinto animal”, afirma acutilante o autor. Erotismo é não se esgotar na certeza o que pertence ao campo das possibilidades, dos desejos e fantasias, nesta vocação tanática em que o indivíduo se digladia com o instinto vital e criativo – Eros para os Gregos. Intimidade é o mais recôndito da soberania individual, que forja as características distintivas da cada personalidade, o que nos torna diferentes e únicos. George Bataille alertou para a necessidade urgente de desanimalizar o amor físico, pois nesta ânsia de libertação e vanguarda trivializou-se, vulgarizou-se a vacuidade. Acabar com a discrição e o pudor não é acabar com o preconceito mas amputar uma dimensão que foi surgindo à medida que a cultura e o desenvolvimento das artes e letras se iam enriquecendo a par.
Cultura, Política e Propaganda gravitam também em torno de uma mesma mundividência, monotorizados pelo Estado, empenhado em que ela não se afaste da ortodoxia que serve de apoio àqueles que governam. O resultado deste controlo, sabemo-lo, é a progressiva conversão da cultura na sua deliquescência por falta de originalidade, espontaneidade, espírito crítico e vontade de renovação e experimentação formal. A Cultura devia exercer influência sobre a vida política, submetendo-a a uma avaliação crítica contínua e inculcando-lhe valores e formas, rebatendo impunidades, debaixo de serveros escrutínios. Vargas llosa sublinha reiteradamente que a cada novo caso de corrupção a cultura contemporânea em vez de mobilizar o espírito crítico da sociedade e a sua vontade de o combater, apenas o encara com resignação, resiliência e com o mesmo fatalismo com que se aceitam os fenómenos naturais.
Nas tarefas criativas e digamos que «impráticas», o capitalismo provoca uma confusão total entre preço e valor em que este último sai sempre prejudicado e que conduz a essa degradação da cultura e do espírito que é a civilização do espectáculo. O autor explica como tal aconteceu: «o mercado livre fixa os preços dos produtos em função da oferta e da procura, o que fez com que em quase todo o lado, incluindo em sociedades mais cultas, obras literárias e artísticas de altíssimo valor fossem desconsideradas e postas a um canto, devido à sua dificuldade e exigência de uma certa formação intelectual e de um sensibilidade para serem apreciadas[…]este sistema de economia livre acentua as diferenças económicas e dá alento ao materialismo, ao apetite consumista, à posse de riquezas e uma atitude agressiva, beligerante e egoísta que, se não encontrar freio, pode chegar a provocar perturbações profundas e traumáticas na sociedade, como já se sente».

Em suma tudo o que seja entretenimento fácil, superficial, acessível, massificado converte-se hoje em paradigma de cultura e com isso conseguiu-se uma vitória pírrica, um remédio pior do que a doença: viver na confusão de um mundo em que, paradoxalmente, como já não há maneira de saber o que é a cultura, tudo o é e já nada o é. A Civilização do Espectáculo hoje abstraiu o espectador da História real para a ficção, desmobilizou o cidadão e fá-lo sentir-se isento de responsabilidade cívica, julgando que está fora do seu alcance intervir numa História que se julga irreversível. Llosa abre ainda a indagação: “Como é que se pode falar de um mundo sem cultura numa época em que as naves espaciais construídas pelo Homem chegaram às estrelas e a percentagem de analfabetos é a mais baixa de sempre?”. Pois todo este progresso é verdadeiro mas não é obra de homens e mulheres cultos, mas sim de especialistas com conhecimento. Entre Cultura e conhecimento há uma grande diferença, o segundo trata-se de uma façanha científica flagrante de barbárie, isto é, um facto eminentemente anticultural, se a cultura voltar a ser como acreditava T.S. Eliot: «tudo aquilo que faz da vida algo digno de ser vivido”. 

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