Autor:
Mario Vargas Llosa
Título: A
Civilização Do Espectáculo
Género: Ensaio
Editora: Quetzal
2ª edição 2013
220 páginas
Resumo:
A
Civilização do Espectáculo é
uma duríssima radiografia do nosso tempo, da nossa cultura, dos
nossos vícios e perversidades, pelo olhar crítico e mordaz do nóbel
peruano (2010). Vargas Llosa faz uma denúncia virulenta da
metamorfose da palavra em imagem, do esvaziamento e destituição da
Cultura, outrora consciência que impedia o virar de costas à
realidade e que hoje é mero mecanismo de distração, entretenimento
e alienação. São invocados oportuna e coerentemente vários
estudos críticos em torno deste denominador comum – a crise e
decadência da Cultura: viajamos desde escritores galardoados como
T.S. Eliot, a Steiner, Guy Debord, Lipovetsky, Jean Serray, Octavio
Paz, Ortega Y Gasset, Miguel de Unamuno, Sartre, Camus, Bertrand
Russel, ao mestre da literatura erótica Guillaume Apollinaire,
passando ainda por filósofos e pensadores prestigiados como Jacques
Lacan, Julia Kristeva, Gilles Deleuze, Foucault, Paul de Man, Popper,
Benjamin ou pelo psicanalista Sigmud Freud.
“A Cultura relega para o sótão das coisas passadas de moda o
exercício de pensar e substitui as ideias pelas imagens” afirma
Vagas Llosa, e por isso os filólogos são paladinos solitários,
encerrados nas Faculdades de Letras. O ensaísta vai urdindo relações
da Cultura com a drogas e o sexo, com a Economia, com a Política e
Poder revelando como estão imbricadas todas estas formas de
espectáculo, enquanto performance
colectiva de relação social, ouçamo-lo: “a generalização do
uso das drogas não responde à exploração de novas sensações ou
visões empreendidas com fins artísticos ou científicos. Nem é uma
manifestação de rebeldia contra as normas estabelecidas por seres
inconformados. Nos nosso dias, este consumo de drogas está
relacionado com um ambiente cultural que empurra o indivíduo na
procura de prazeres fáceis e rápidos que os imunizem contra a
preocupação e a responsabilidade, em vez do encontro consigo mesmos
através da reflexão e da instrospeção, actividades eminentemente
intelectuais”. Impera a questão: o que é que conduziu ao
apoucamento e volatilização do intelectual no nosso tempo?
O
nobel detem-se, prolongadamente, num capítulo dedicado à análise
lúcida sobre a emancipação sexual que trouxe uma banalização e a
morte do erotismo, porque a “Cultura moderna” vende sexualidade,
lugar epónimo da revelação da intimidade do outro, num ritmo voraz
de entretenimento e diversão frívolos, onde desembocou fatalmente
esta liberdade conquistada pelas novas gerações. “O erotismo
desapareceu como a crítica e como a alta cultura, que convertiam o
acto sexual numa obra de arte e o impregnavam de virtuosismo
estético, na manifestação do que de mais humano e criativo havia
no Homem e não meramento assente num instinto animal”, afirma
acutilante o autor. Erotismo é não se esgotar na certeza o que
pertence ao campo das possibilidades, dos desejos e fantasias, nesta
vocação tanática em que o indivíduo se digladia com o instinto
vital e criativo – Eros para os Gregos. Intimidade é o mais
recôndito da soberania individual, que forja as características
distintivas da cada personalidade, o que nos torna diferentes e
únicos. George Bataille alertou para a necessidade urgente de
desanimalizar o amor físico, pois nesta ânsia de libertação e
vanguarda trivializou-se, vulgarizou-se a vacuidade. Acabar com a
discrição e o pudor não é acabar com o preconceito mas amputar
uma dimensão que foi surgindo à medida que a cultura e o
desenvolvimento das artes e letras se iam enriquecendo a par.
Cultura, Política e Propaganda gravitam também em torno de uma
mesma mundividência, monotorizados pelo Estado, empenhado em que ela
não se afaste da ortodoxia que serve de apoio àqueles que governam.
O resultado deste controlo, sabemo-lo, é a progressiva conversão da
cultura na sua deliquescência por falta de originalidade,
espontaneidade, espírito crítico e vontade de renovação e
experimentação formal. A Cultura devia exercer influência sobre a
vida política, submetendo-a a uma avaliação crítica contínua e
inculcando-lhe valores e formas, rebatendo impunidades, debaixo de
serveros escrutínios. Vargas llosa sublinha reiteradamente que a
cada novo caso de corrupção a cultura contemporânea em vez de
mobilizar o espírito crítico da sociedade e a sua vontade de o
combater, apenas o encara com resignação, resiliência e com o
mesmo fatalismo com que se aceitam os fenómenos naturais.
Nas tarefas criativas e digamos que «impráticas», o capitalismo
provoca uma confusão total entre preço e valor em que este último
sai sempre prejudicado e que conduz a essa degradação da cultura e
do espírito que é a civilização do espectáculo. O autor explica
como tal aconteceu: «o mercado livre fixa os preços dos produtos em
função da oferta e da procura, o que fez com que em quase todo o
lado, incluindo em sociedades mais cultas, obras literárias e
artísticas de altíssimo valor fossem desconsideradas e postas a um
canto, devido à sua dificuldade e exigência de uma certa formação
intelectual e de um sensibilidade para serem apreciadas[…]este
sistema de economia livre acentua as diferenças económicas e dá
alento ao materialismo, ao apetite consumista, à posse de riquezas e
uma atitude agressiva, beligerante e egoísta que, se não encontrar
freio, pode chegar a provocar perturbações profundas e traumáticas
na sociedade, como já se sente».
Em
suma tudo o que seja entretenimento fácil, superficial, acessível,
massificado converte-se hoje em paradigma de cultura e com isso
conseguiu-se uma vitória pírrica, um remédio pior do que a doença:
viver na confusão de um mundo em que, paradoxalmente, como já não
há maneira de saber o que é a cultura, tudo o é e já nada o é. A
Civilização do Espectáculo
hoje abstraiu o espectador da História real para a ficção,
desmobilizou o cidadão e fá-lo sentir-se isento de responsabilidade
cívica, julgando que está fora do seu alcance intervir numa
História que se julga irreversível. Llosa abre ainda a indagação:
“Como é que se pode falar de um mundo sem cultura numa época em
que as naves espaciais construídas pelo Homem chegaram às estrelas
e a percentagem de analfabetos é a mais baixa de sempre?”. Pois
todo este progresso é verdadeiro mas não é obra de homens e
mulheres cultos, mas sim de especialistas com conhecimento. Entre
Cultura e conhecimento há uma grande diferença, o segundo trata-se
de uma façanha científica flagrante de barbárie, isto é, um facto
eminentemente anticultural, se a cultura voltar a ser como acreditava
T.S. Eliot: «tudo aquilo que faz da vida algo digno de ser vivido”.
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