Autor:
Gabriel Garcia Márquez
Título:
A Aventura de Miguel Littín
Clandestino no Chile
Editora:
Publicações D. Quixote – LeYa
Género:
Reportagem literária
Lisboa
2000
Resumo
Gabriel
Garcia Márquez que instituiu o “realismo mágico” mostra nesta
sua reportagem literária um espírito jornalistico aguçado, uma
curiosidade insatisfeita, um civismo inconformado e uma sensibilidade
estética inigualável. O nobel columbiano nunca deixou de
representar com realismo literário as realidades político-sociais
que lhe eram próximas e que consequentemente nos aproximam a todos.
Não se é escritor apenas para criar universos ficionais mas também
para se dar novos imaginários à realidade. Esta é a tentativa de
Miguel Littin, um dos cinco mil exilados em 1985 com proibição
absoluta de regressarem à sua terra. No entanto, não há nada que
impere sobre a vontade e este clandestino volta ao Chile através
artes clandestinas num conluio de vários envolvidos, durante seis
semanas com o intuito de filmar sete mil metros de película. Na
verdade, esta demanda, que representa um retorno interior às
lembranças, vai constituir uma viagem cinematográfica pela sua
vida, pelas suas memórias e identidades pois nenhuma viagem pode ser
mais enriquecedora do que a procura pelo que se foi.
“Pelo
método de investigação e pelo carácter do material, A Aventura
de Miguel Littin é acima de tudo uma reportagem, assume o
autor”, que narra sempre na primeira pessoa de forma a tornar
audível a voz do clandestino pelas suas palavras. Assim se cruzam
duas vozes que escrevem a quatro mãos histórias e peripécias que
tornam estas páginas vibrantes e envolventes, numa densidade
emocional facilmente tangível pelo leitor. Também não passa
despercebido ao leitor todas as mágoas que Miguel vai revivendo, em
permanente exercicio de alteridade, ditado pela exigência de ter se
ser outra pessoa, pela necessidade de aprendizagem de comportamentos,
posturas. A par, este clandestino vai tendo de administrar as muitas
desilusões, percebendo que os anos foram longos e devastadores não
só para os que partiram mas também para os que ficaram. Constatou
por dentro o reverso do milagre chileno, patrocinado pela Junta
militar sob inspiração celestial da Escola de Chicago, que querendo
dar aparência imadiata de prosperidade desnacionalizou tudo o que
Allende tinha nacionalizado, vendendo o país ao capital privado e às
multinacionais. Sabe-se que em cinco anos as importações foram
maiores do que nos duzentos anos anteriores, a dívida externa do
Chile, que no último ano de Allende era de quatro mil milhões de
dólares era agora de quase de vinte e três mil milhoes.
Mundividências maniqueístas e quase inverosímeis não eram as
ficionadas no seu filme mas as que a realidade revelava, o grito era
feito pelas poblaciones em uníssono: «não nos importa a
casa nem a comida, mas sim que nos devolvam a dignidade, a única
coisa que nos tiram é a voz e o voto.
Assim,
trinta e dois mil e duzentos de película, ao fim de seis meses de
montagem em Madrid ficaram reduzidos a quatro horas para televisão e
duas para cinema. A Miguel Littin ficou-lhe a consciência de que a
nova geração se encontrava empenhada, sem pressas nem barulho, em
libertar o Chile do desastre militar e que apesar de tenra idade,
todos tinham mais do que uma visão de futuro, tinham um passado de
façanhas incógnitas e vitórias ocultas, que levam guardadas no
coração de um grande modéstia. Também por isso, este não foi o
feito mais heróico da sua vida, como esperava, mas foi o mais digno,
resgatou à contraluz uma identidade que levara para fora do Chile, à
sombra de tudo o que vivera.
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