Autor:
Patrick Modiano
Título:
As Avenidas Periféricas
Género:
Romance
Editora:
Porto Editora
1ª
edição 2014
101
páginas
Resumo:
O mais recente Prémio Nobel da Literatura, Patrick Modiano,
apresenta agora pela Porto Editora um romance inédito em Portugal,
vencedor do Grande Prémio de romance da Academia Francesa e
igualmente distinguido com o Grande Prémio Nacional das Letras.
Galardões à parte que atestam, incontornavelmente, o seu mérito,
desperta-se em nós a curiosidade sobre o que terá consagrado o
autor. A crítica do Jornal Le Monde imprime a expresão
Modianesco como um neologismo
instalado: um tom angustiado, um ambiente de penumbra e
enigmático, um fio invisível nem sempre perceptível ao leitor, uma
inquietação insatisfeita, identidades perdidas, características
tão ao gosto do clássico existencialismo francês.
Numa
pequena aldeia ao lado da floresta de Fontainebleu, um bosque de
faias, em plena ocupação provisória alemã, portanto entre 1940 e
1944, juntam-se ao fim de semana algumas personagens inquietantes,
que abrem espaços cénicos de uma alta burguesia misteriosa e
intocável. Alexandre Serge é o narrador protagonista e pelos seus
olhos vemos um retrato social, uma mundividência burguesa
alambicada, olhares fleumáticos, esgares silênciosos e obscursos,
atitudes langurosas de personagens escorregadias, dúbias que se
movem em ambientes intimistas de convívio sem relações de
confiança. Murraille é chefe do jornal C'est
la vie e
pivot
de muitas movimentações do romance, elo de ligação e de encontro
de muitas personagens como é o caso do protagonista e de seu pai, um
desconhecido barão a que chamam Chalva
Henri Deyckecaire. A relação entre eles é fria, distante, perdida.
Quem é esse pai? Um traficante, um judeu acossado, um industrial com
relações duvidosas e hábitos pouco recomendáveis? A demanda de
Alexandre prossegue ao longo do romance na senda de revelar a
personagem de seu pai, que tinha como principal actividade vender
objectos a coleccionadores fanáticos, obnubilados, desde antigas
listas telefónicas, espartilhos, narguilés, postais, selos, cintos,
fonógrafos, candeeiros de acetileno. Assim, procurava em Paris todo
o tipo de utensílios que pudessem suscitar interesse a esses
coleccionadores, extorquia-lhes grandes quantias sem qualquer relação
com o valor real das mercadorias. A ânsia de aproximação a este
pai desconhecido, enigmático leva o filho a tornar-se um moço de
recados, querendo dar provas de iniciativa própria e de ajuda
incondicional. Com o tempo, Alexandre sugere ao pai dedicarem-se aos
bibliófilos, convicto de que seria fácil arranjar edições antigas
a preços baixos, rentabilizando todo o conhecimento e formação que
tinha adquirido no Colégio interno de Bordéus onde o pai o tinha
ido buscar, com 17 anos. Com o tempo foi-se dedicando à falsificação
de assinaturas dos autores e convertendo-se num factótum.
Num
tempo desconexo, não linear dentro do romance, o narrador invoca o
seu repositório de (poucas) lembranças, recordando o mais triste
episódio da sua vida, quando o pai o tentara atirar para debaixo da
linha do comboio. Surpreenda-se o leitor com o tom com que estas
cenas são descritas, sem mágoas,
sem traumas, como se o tempo fosse responsável por detê-las no
passado sem reminiscência presente. Os flashes
dos espaços e do tempos, sem continuidade ou progressão fixam os
acontecimentos em cenas estáticas, suspenas e intensas. Há um
momento de encontro de pai e filho, um jogo de silêncios
indecifráveis, num olhar comprometido do Barão e no desespero
inverbalizado de Alexandre, que reclama pela presença paternal que
mais não é do que espectral, como ele próprio afirma: “Eis-nos
condenados, órfãos que somos a perseguir um fantasma em
reconhecimento de paternidade”.
Que
avenidas são estas? São avenidas paralelas, de penumbra,
colaterais, que nunca desembocam na verdadeira anagnórise ou
(re)conhecimento da essência, da identidade, meros espaços de
viagens interiores e perdidas do protagonista, por isso mesmo
periféricas. “A Avenida da Ópera abria-se perante mim. Anunciava
outras avenidas outras ruas que nos levariam daí a pouco aos quatro
ponto cardeais. O meu coração batia um pouco mais depressa. No meio
de tantas incertezas, os meus únicos pontos cardeais de referência,
o único terreno que não me fugia debaixo dos pés, eram os
cruzamentos e os passeios dessa cidade onde acabaria, sem dúvida,
por me encontrar só”.
Palavras
chave: identidade
paternal, burguesia parisiense, penumbra enigmática, secretismo
filial.
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