domingo, 12 de abril de 2015

As Avenidas Periféricas

Autor: Patrick Modiano
Título: As Avenidas Periféricas
Género: Romance
Editora: Porto Editora
1ª edição 2014
101 páginas






Resumo: O mais recente Prémio Nobel da Literatura, Patrick Modiano, apresenta agora pela Porto Editora um romance inédito em Portugal, vencedor do Grande Prémio de romance da Academia Francesa e igualmente distinguido com o Grande Prémio Nacional das Letras. Galardões à parte que atestam, incontornavelmente, o seu mérito, desperta-se em nós a curiosidade sobre o que terá consagrado o autor. A crítica do Jornal Le Monde imprime a expresão Modianesco como um neologismo instalado: um tom angustiado, um ambiente de penumbra e enigmático, um fio invisível nem sempre perceptível ao leitor, uma inquietação insatisfeita, identidades perdidas, características tão ao gosto do clássico existencialismo francês.
Numa pequena aldeia ao lado da floresta de Fontainebleu, um bosque de faias, em plena ocupação provisória alemã, portanto entre 1940 e 1944, juntam-se ao fim de semana algumas personagens inquietantes, que abrem espaços cénicos de uma alta burguesia misteriosa e intocável. Alexandre Serge é o narrador protagonista e pelos seus olhos vemos um retrato social, uma mundividência burguesa alambicada, olhares fleumáticos, esgares silênciosos e obscursos, atitudes langurosas de personagens escorregadias, dúbias que se movem em ambientes intimistas de convívio sem relações de confiança. Murraille é chefe do jornal C'est la vie e pivot de muitas movimentações do romance, elo de ligação e de encontro de muitas personagens como é o caso do protagonista e de seu pai, um desconhecido barão a que chamam Chalva Henri Deyckecaire. A relação entre eles é fria, distante, perdida. Quem é esse pai? Um traficante, um judeu acossado, um industrial com relações duvidosas e hábitos pouco recomendáveis? A demanda de Alexandre prossegue ao longo do romance na senda de revelar a personagem de seu pai, que tinha como principal actividade vender objectos a coleccionadores fanáticos, obnubilados, desde antigas listas telefónicas, espartilhos, narguilés, postais, selos, cintos, fonógrafos, candeeiros de acetileno. Assim, procurava em Paris todo o tipo de utensílios que pudessem suscitar interesse a esses coleccionadores, extorquia-lhes grandes quantias sem qualquer relação com o valor real das mercadorias. A ânsia de aproximação a este pai desconhecido, enigmático leva o filho a tornar-se um moço de recados, querendo dar provas de iniciativa própria e de ajuda incondicional. Com o tempo, Alexandre sugere ao pai dedicarem-se aos bibliófilos, convicto de que seria fácil arranjar edições antigas a preços baixos, rentabilizando todo o conhecimento e formação que tinha adquirido no Colégio interno de Bordéus onde o pai o tinha ido buscar, com 17 anos. Com o tempo foi-se dedicando à falsificação de assinaturas dos autores e convertendo-se num factótum.
Num tempo desconexo, não linear dentro do romance, o narrador invoca o seu repositório de (poucas) lembranças, recordando o mais triste episódio da sua vida, quando o pai o tentara atirar para debaixo da linha do comboio. Surpreenda-se o leitor com o tom com que estas cenas são descritas, sem mágoas, sem traumas, como se o tempo fosse responsável por detê-las no passado sem reminiscência presente. Os flashes dos espaços e do tempos, sem continuidade ou progressão fixam os acontecimentos em cenas estáticas, suspenas e intensas. Há um momento de encontro de pai e filho, um jogo de silêncios indecifráveis, num olhar comprometido do Barão e no desespero inverbalizado de Alexandre, que reclama pela presença paternal que mais não é do que espectral, como ele próprio afirma: “Eis-nos condenados, órfãos que somos a perseguir um fantasma em reconhecimento de paternidade”.
Que avenidas são estas? São avenidas paralelas, de penumbra, colaterais, que nunca desembocam na verdadeira anagnórise ou (re)conhecimento da essência, da identidade, meros espaços de viagens interiores e perdidas do protagonista, por isso mesmo periféricas. “A Avenida da Ópera abria-se perante mim. Anunciava outras avenidas outras ruas que nos levariam daí a pouco aos quatro ponto cardeais. O meu coração batia um pouco mais depressa. No meio de tantas incertezas, os meus únicos pontos cardeais de referência, o único terreno que não me fugia debaixo dos pés, eram os cruzamentos e os passeios dessa cidade onde acabaria, sem dúvida, por me encontrar só”.


Palavras chave: identidade paternal, burguesia parisiense, penumbra enigmática, secretismo filial.

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