quinta-feira, 1 de outubro de 2015

O Livro dos Camaleões

Autor: José Eduardo Agualusa
Título: O Livro dos Camaleões
Género: Contos
Editora: Quetzal
2015
108 páginas



“Era um escritor cego. A escrita ajudava-me a ver. Agora que vejo, mas não escrevo, acho que vejo pior.”


“À escala da eternidade toda a improbabilidade é mais do que certa. Tudo o que não pode acontecer, acontecerá.”

Resumo: José Eduardo Agualusa desafia o poder de imaginação, promove a capacidade de efabulação e questiona os limites da significação da Literatura e da História, tornando as suas fronteiras ténues para podermos escrever as nossas vidas de forma livre, libertadora e inventiva. A sua formação em agronomia talvez tenha consolidado este olhar sobre a infinitude da natureza, como um ciclo intravável de nascimento, morte e regeneração no qual a poesia interfere como clarividência e revelação.
Este Livro dos Camaleões é a compilação de vários contos já publicados em revistas e jornais –Visão, Pública, Expresso – e apresenta-nos agora um convívio de personagens que comungam de um traço comum: a procura de identidade em trânsito pela descoberta do seu lugar no mundo. A percepção do leitor vai-se metamorfoseando entre a ficção e entre a realidade, neste jogo dúbio e de incerteza, que nos leva a questionar a natureza e as limitações do factual. As geografias por vezes são obscuras mas sentimo-nos viajantes em Angola, São Tomé, Rio de Janeiro, Salvador da Baía ou Paris.
Nas primeiras páginas, estamos em contagem decrescente para a passagem de ano e enquanto umas pessoas procuram passas o nosso protagonista procura desejos tendo acabado por pedir emprestados sonhos alheios. No entanto mesmo in extremis ocorrera-lhe um décimo terceiro desejo que apesar de vir ligeiramente fora de prazo, era inteiramente dele: terá sido o suficiente para funcionar e ser atendido?
Quando um Construtor de Castelos se encontra com o Menino que Vendia Amendoins e com um mulher bonita, morena, com um vestido faustoso entramos na discussão da razão pela qual “fazemos de conta” ser quem não somos: medo que os outros não gostem da pessoa que realmente somos? Será mais fácil sermos muitos em vez de um só? O Construtor de Castelos afirma ter-se deixado levar pela arrogância de começar a construir pontes por vaidades, como aqueles escritores que escrevem não para verem melhor mas para melhor serem vistos. Nas páginas seguintes junta-se à discussão um escritor cego e um marinheiro que desenvolvem uma nova perspectiva: tudo o que fazemos é regido pelo medo mas não vale a pena recear a travessia para a outra margem porque o Inferno não é mais do que um território interior, “não se vai para o Inferno, não se vai para o Paraíso. Vamos é com eles para toda a parte. Trazemo-los dentro de nós. Há pessoas que expandem o inferno que trazem dentro de si e outras o Paraíso. Muitas não chegam a desenvolver nenhum dos dois. Essas são as mais infelizes”.
Nos contos seguintes conhecemos Sombra que perdera o passado na guerra. Há quem perca um pai, um irmão, um marido, um braço ou uma perna - pois é sabido que toda e qualquer guerra é sempre um roubo - mas no caso de Sombra perder a memória é seguramente a maior de todas as perdas. Da mesma forma, numa outra viagem camaleónica por Salvador da Baía entramos num salão onde de entre imagens religiosas, santos católicos como Cosme e Damião, venerados como ibêjis nos terreiros de candomblé e diante de uma voluptuosa Iemanjá encontramos uma Virgem sem Cabeça. A literalidade da imagem representa precisamente alguém que perdera a cabeça por um homem mas a julgar pela profusão de velas que a rodeava era esta a mais querida por todos. Afinal “há sempre mais humanidade numa virgem sem cabeça, que amou e caiu do que numa qualquer divindade casta e fria, cercada por anjos e pombas”.
Nas incursões por África conhecemos um ditador de um estado iníquo mas muito respeitado em Portugal como o próprio afirma: “A comunidade internacional e, em particular, Portugal, tem apoiado, sem reservas, o nosso modelo de democracia. Sou igualmente generoso para com os estrangeiros. Muitos dos que ontem barafustavam contra mim, e contra a corrupção, estão agora do meu lado. Ficaram-me ainda mais baratos do que os meus adversários. Na verdade, o lucro é sempre meu”. Sabemos hoje que os regimes fortes só começam a desmoronar-se quando o medo troca de lugar. 
Todos estes camaleões revelam-nos as cambiantes da realidade, a capacidade que ela tem de assumir muitas formas e manifestações e de (res)sugerir sempre em outras tantas aparências. Acima de tudo, ficamos cientes da necessidade de reinventarmos essa mesma realidade a cada instante para que a vida siga sempre mais além do aquilo que hoje alcançamos. 

Palavras-chave: diversidade, metamorfose, adaptação, identidade

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