segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Leão Velho

Autor: Lídia Jorge
Título: Leão Velho
Género: Conto
Editora: Dom Quixote
2004
47 páginas





«O problema da vida de um homem é que acima do instinto tem a honra. O dever de um bicho é seguir o seu instinto. O dever de um homem é contrariá-lo»
p. 25

Resumo: É sob a epígrafe de Carlos Fuentes - “são necessárias várias vidas para fazer uma só pessoa” - que Lídia Jorge nos oferece este conto, em jeito de fábula, numa mise en scène do imaginário colonial, com todas as ressonâncias imperialistas que daí decorrem. Em palco está o desejo de três homens de reviverem experiências outrora partilhadas em tempos idos: o director Santos Manuel, o colaborador Orlando Petit e o empregado do guichet, João Fortaleza. O mote é simples e o enredo linear: o abate de um animal velho em modo de safari africano. No entanto, o que se adivinhava ser um fim-de-semana calmo na propriedade do Alentejo de Santos Manuel, converte-se num déjà vu dos tempos em Moçambique ou não fosse o próprio leão proveniente da província de Sofala. Tudo foi então concebido, pormenorizadamente, discutido e ajuizado, desde as técnicas, aos meios, à estratégia, passando pelo lugar, tempo e espaço, em prol de um desejo sem preço, pois é sempre esse o valor de uma vontade.
Este desafio desejava-se, falaciosamente, simétrico e justo e por isso foram até valorizadas questões éticas, vejamos: «se ao contrário do que estava previsto, o bicho não oferecesse luta? Se o bicho não se levantasse do amalho, não se movesse ou caminhasse tão manco que nem desse para uma pessoa levantar a arma e atirar? Nesse caso o que faria? – perguntou o anfitrião. Por certo que não iria abater um animal à falsa fé, não iria alvejar um bicho moribundo, fingindo que estabelecia um combate. Não, não iria, nesse caso passaria a arma a um dos seus companheiros e um deles que o abatesse, se quisesse. (p.28). Neste vis-à-vis entre o instinto e a honra era necessária uma certa dose de lealdade, alinhada a um pseudo comportamento correctivo. Contudo, o que seria o expectável ser o lado (pre)dominante deu lugar a uma lógica invertida. 
                Lídia Jorge convoca neste conto uma herança histórico-social familiar e comum a todos nós e com uma ironia fina, divertida e subliminar caracteriza as “nossas” identidades, que mais não são do que a sobreposição de camadas na memória. Pergunte-se, então, o leitor pelo desfecho pedagógico deste conto enfabulado e aqui se deixa a resposta: «Uma vergonha. Éramos quatro, da mesma idade. Mas só um de nós se portou bem. E foi ele…ele, o bicho».

Palavras-chave: honra, instinto, memória, imaginário colonial.