Autor: Lídia
Jorge
Título: Leão Velho
Género: Conto
Editora: Dom Quixote
2004
47 páginas
«O problema da vida de um homem é que acima do
instinto tem a honra. O dever de um bicho é seguir o seu instinto. O dever de
um homem é contrariá-lo»
p. 25
Resumo:
É sob a epígrafe de Carlos Fuentes - “são necessárias várias vidas para fazer
uma só pessoa” - que Lídia Jorge nos oferece este conto, em jeito de fábula, numa mise en scène do imaginário
colonial, com todas as ressonâncias imperialistas que daí decorrem. Em palco está
o desejo de três homens de reviverem experiências outrora partilhadas em tempos idos: o director
Santos Manuel, o colaborador Orlando Petit e o empregado do guichet, João
Fortaleza. O mote é simples e o enredo linear: o abate de um animal velho em
modo de safari africano. No entanto, o que se adivinhava ser um fim-de-semana calmo
na propriedade do Alentejo de Santos Manuel, converte-se num déjà vu dos tempos em Moçambique ou não
fosse o próprio leão proveniente da província de Sofala. Tudo foi então concebido, pormenorizadamente, discutido e ajuizado, desde as técnicas, aos meios, à
estratégia, passando pelo lugar, tempo e espaço, em prol de um desejo sem preço, pois é
sempre esse o valor de uma vontade.
Este
desafio desejava-se, falaciosamente, simétrico e justo e por isso foram até valorizadas questões éticas, vejamos: «se ao contrário do que estava previsto, o bicho
não oferecesse luta? Se o bicho não se levantasse do amalho, não se movesse ou
caminhasse tão manco que nem desse para uma pessoa levantar a arma e atirar?
Nesse caso o que faria? – perguntou o anfitrião. Por certo que não iria abater
um animal à falsa fé, não iria alvejar um bicho moribundo, fingindo que
estabelecia um combate. Não, não iria, nesse caso passaria a arma a um dos seus
companheiros e um deles que o abatesse, se quisesse. (p.28). Neste vis-à-vis entre o instinto e a honra era
necessária uma certa dose de lealdade, alinhada a um pseudo comportamento correctivo. Contudo, o que seria o expectável ser o lado (pre)dominante deu lugar a uma lógica invertida.
Lídia
Jorge convoca neste conto uma herança histórico-social familiar e comum a todos
nós e com uma ironia fina, divertida e subliminar caracteriza as “nossas”
identidades, que mais não são do que a sobreposição de camadas na memória.
Pergunte-se, então, o leitor pelo desfecho pedagógico deste conto enfabulado e
aqui se deixa a resposta: «Uma vergonha. Éramos quatro, da mesma idade. Mas só
um de nós se portou bem. E foi ele…ele, o bicho».
Palavras-chave: honra, instinto, memória, imaginário colonial.
Palavras-chave: honra, instinto, memória, imaginário colonial.