domingo, 3 de julho de 2016

Um Homem: Klaus Klump

Autor: Gonçalo M. Tavares
Título: Um Homem: Klaus Klump
Género: Romance articulado na tetralogia O Reino (conjuntamente com A Máquina de Joseph Walser, Jerusalém e Aprender a rezar na Era da Técnica)
Editora: Editorial Caminho – grupo Leya
6a edição 2015
132 páginas




«Johanna olha pela janela. Klaus, o amante, ainda não chegou. Enquanto o amante não chega a mulher não sai da janela. As janelas existem porque os amantes existem, e porque os amantes ainda não estão em casa. As janelas deixam de existir quando as pessoas que amas voltam».

Resumo: Se lemos Um Homem: Klaus Klump da série O Reino na expectativa de reconhecer a mesma dinâmica da série O Bairro, rapidamente nos surpreendemos por não encontrar o mesmo carácter lúdico, irónico e descomprometido da “vizinhança”. Este romance, que se articula com A Máquina de Joseph Walser, Jerusalém e Aprender a rezar na Era da Técnica, apresenta uma escrita matemática, objectiva, numa estrutura sintáctica mínima, a que Gonçalo M. Tavares já nos habituou. No entanto, esta aparente simplicidade e nudez linguísticas oferecem uma profundidade filosófica, repleta de aforismos, compondo uma narrativa fragmentada e interrompida, que imprime um ritmo discursivo muito sui generis.
Catharina era a mãe louca de Johanna, que era namorada de Klaus, um editor pacato, que se deitou com Herthe, irmã de Clarko. Herthe, por sua vez, casara com Ortho, um oficial bonito e inteligente e em segundas núpcias com Leo Vast, um homem rico, dono de cinco indústrias da região, tinha ela 31 e ele 53. Este núcleo de personagens convida à análise da animalidade do Homem e da desumanização dos afectos, ao escrutínio dos instintos mais impulsivos de sobrevivência, promovidos por um cenário caótico de guerra. Até que ponto a guerra mutila os traços de humanidade? «Pertence a várias coisas-homem que se juntam. E daí que a fornicação seja tão atractiva e assustadora: é a junção de dois mundos: do mundo do ruído e do mundo da palavra, do mundo do Homem e do mundo animal, da natureza incompreensível e bruta e ainda do Homem que tenta compreender […] Klaus, no entanto, sempre tinha pensado que é mais fácil simular a parte humana de um som – a parte verbal – que a parte animal de um som – esses tais barulhos disformes. No amor – havia percebido Klaus – ou mais propriamente, na fornicação, existia com evidência um som com dois rostos – um rosto animal e outro humano; e o único rosto verdadeiro era o animalesco». E afinal, em tempo de guerra, qual é a fronteira entre o humano e o  mecânico? Qual é o limite entre o homem e os deuses? Assumir que não se é Deus talvez seja o acto mais corajoso e o único gesto genuinamente divino. Nem o barulho das balas, nem o das granadas tem vestígios verbais, não podem por isso ser humanos, nem tão pouco naturais ou orgânicos: «Porque o som da bala não é som dos homens, disso Klaus tinha a certeza. Porque um homem não consegue repetir duas vezes o mesmo som inteligente ou a mesma frase, enquanto aqueles sons eram coisas repetidas mecanicamente, repetições exactas. O que mais assustava Klaus era esse modo infalível de cópia. O facto de uma arma conseguir nas mesmas condições, repetir exactamente o mesmo som com duas balas diferentes». 
Na desordem imposta pela guerra tudo se confunde, a velocidade média da bondade e a velocidade média da força, tudo tem ritmo automático e cadências abruptas mas mesmo no cenário mais turbulento e caótico o Homem Klaus Klump lembra que só se extinguem as emoções quando a última célula de um sistema orgânico deixa de viver. Essa capacidade dos afectos é a única regeneradora da natureza humana e que explica, consequentemente, os muros edificados entre o passado e o presente: «Há um muro altíssimo: ninguém percebe o que sucedeu. Como se constrói um muro no tempo? Como se tapa na cabeça das pessoas aquilo que aconteceu?». Mas o leitor encontra a resposta pela analogia inicial à sebe que separava os jardins de Johanna e Klaus: «Se eu não fosse tão alto a sebe seria mais baixa. Klaus acreditava mais no destino do que Johana. Porém nunca há duas mudanças no mundo para um único efeito. Se Klaus fosse mais baixo, isso constituiria uma mudança no mundo. Se a sebe fosse também mais baixa, seriam duas mudanças no mundo. Se existissem dois factos diferentes no passado, então não poderia ter sucedido o mesmo. O destino tem uma lógica própria. São necessários cálculos complexos para perceber o que poderia ter acontecido em vez do que realmente aconteceu. Há demasiadas possibilidades para que aconteça sempre o mesmo. O mundo tem variedade e é longo.» E já agora...pois que seja também pleno de humanismo.


Palavras-chave: guerra, mecanização, desumanização, sobrevivência