segunda-feira, 11 de abril de 2016

História dos Mongóis aos quais chamamos Tártaros

Autor: Giovanni da Pian del Carpini
Título: História dos Mongóis aos quais chamamos Tártaros (Ystoria Mongolorum quos nos Tartarus Appellamus)
Tradução do Latim: André Simões e Gustavo Infante
Género: Crónicas de viagens
Editora: Livros de Bordo
2015
136 páginas




«Devem pois as tropas ter cuidado com isto: não corram muito tempo atrás deles por causa das emboscadas que costumam preparar. É que lutam mais com engano do que com valentia»
História dos Mongóis aos quais chamamos Tártaros: 93.

Resumo: O italiano da Ordem Franciscana Giovanni da Pian del Carpini (1180-1252) foi um dos primeiros europeus a viajar até ao Oriente, vinte anos antes do mercador veneziano Marco Polo. Este seu Diário de Bordo é um olhar lúcido e atento sobre a vida e os costumes dos mongóis a quem chamamos tártaros: esse povo distante e desconhecido, que tantas investidas bélicas empreendeu pela Europa em tempos medievos. As investidas deste povo, motivadas pelas suas ambições expansionistas, deixam marcas indeléveis de destruição por Kiev, pela Polónia, pela Alemanha, Hungria, Bulgária bem como por todas as terras do Mar Adriático. O centro da Europa estava assim na mira da ameaça mongol mas, surpreendentemente e de forma repentina, os tártaros bateram em retirada, em 1242, regressando à sua terra por circunstância da morte do imperador Ogodei Khan, filho do grande Gengis Khan. Perante este acontecimento, impunha-se a presença dos chefes mongóis em Karakorum, a antiga capital mongol, para a eleição do novo imperador. No entanto, em 1243, com a nomeação do papa Inocêncio IV, mantinha-se latente o receio de um potencial ataque mongol à Europa, razão pela qual foi enviada uma comitiva, a cargo do frei Giovanni, a essas terras remotas, na ânsia de uma possível conversão à fé católica do então imperador eleito. 
História dos Mongóis apresenta ao longo de nove capítulos, com detalhe e requinte descritivos, o modus vivendi e o modus operandi deste povo. Ainda que toda e qualquer descrição nunca esteja desprovida de parcialidade pois é desde logo uma leitura e interpretação do outro, em momento algum, o leitor se depara com juízos de valor flagrantes ou comentários comparativos. Por vezes até nos surpreendemo com o reconhecimento de alguns rasgos de humanismo e com o elogio de um povo guerreiro, que se rege por uma moral própria, na obediência de um código de conduta bem estabelecido e implacável.
A metodologia destas crónicas de viagens é rigorosa: inicia-se com um breve prólogo, seguindo-se a descrição da terra dos tártaros (localização e natureza), das pessoas, roupas e costumes de ordem social, religiosa (onde se desenvolvem descrições dos rituais fúnebres e de definição do pecado): «Diga-se que, para eles, porém, matar alguém invadir as terras de outrem, adquirir coisas alheias de modo injusto, fornicar, injuriar outros ou ir contra as proibições e os preceitos de Deus não é pecado», p.28).
Depois da caracterização destas idiossincrasias dos hábitos e costumes sociais, explica-se a história ab initio da constituição de poderes do imperador e dos príncipes, de toda a organização e astúcia bélicas e da perfídia para com aqueles que se lhes rendiam e ainda das suas acções mais tirânicas. Paradoxalmente, este povo predisposto para a guerra procura a paz e, nos últimos três capítulos, descreve-se o modo de organização militar das tropas, da fortificação, fundação e reunificação das cidades, na senda do alargamento do império mongol. Além de todo o pragmatismo que lhes é apanágio, estes tártaros pautam-se por uma religiosidade própria: «nada sabem da vida eterna ou do sofrimento perpétuo. Crêem, porém que, depois da morte, viverão noutro século e que os seus rebanhos se multiplicarão; que comerão e beberão e farão tudo aquilo que neste século fazem enquanto estão vivos» (p.29.). Contudo, isso não invalida que se dediquem convictamente à arte da adivinhação, dos presságios, feitiços, encantamentos, interpretações pois qualquer povo tem sempre uma necessidade de legitimação da sua violência por uma entidade maior e por um valor mais alto. Curiosamente, todas as guerras são contra os “outros” e não entre eles: «raramente ou nunca discutem com palavras, nunca chegam a vias de facto. Guerras, rixas, ferimentos, homicídios nunca ocorrem entre eles. Nem salteadores e ladrões de coisas grandes se acham entre eles», (p.35).
Cada capítulo abre de forma sistemática e paralelística com a apresentação prévia dos assuntos que irão ser desenvolvidos. Se acaso nos perguntamos se uma tradução latina desta natureza, feita a quatro mãos, poderá ou não incorrer em falta de coerência pela eventual variação estilística, que se ateste o sucesso da empresa, digno de reconhecimento. 


Palavras-chave: Mongóis, Tártaros, povo bélico, investidas expansionistas, tradições.