terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Despenteando parágrafos

Autor: Onésimo Teotónio de Almeida
Título: Despenteando parágrafos
Género: Ensaios
Editora: Quetzal – Língua comum
2015
386 páginas




Resumo: O Açoriano Onésimo Teotónio de Almeida, catedrático no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Universidade de Brown e também reconhecido cronista e ensaísta, apresenta o seu mais recente livro Despenteando Parágrafos: uma colectânea de reflexões, memórias, análises críticas, em torno de polémicas suaves.
Nas breves palavras introdutórias, pelas quais o autor afina as expectativas do leitor, justifica-se o título da obra, inspirado na expressão de José Cardoso Pires “pentear parágrafos”. Ao longo de 25 ensaios e mais três “apêndices”, Onésimo Teotónio de Almeida vai fazendo de forma acutilante e mordaz um escrutínio das questões literárias (ou de suposta crítica literária), retóricas, filosóficas, poéticas, linguísticas, humorísticas, questionando famigerados conceitos como «cultura», «ciência», «dialéctica». Onésimo desafia para um diálogo várias figuras da cultura portuguesa – Vergílio Ferreira, Eduardo Lourenço, José Saramago, Camilo Castelo Branco, Miguel Torga, Jacinto do Prado Coelho, Natália Correia, Helder Macedo - e é com arrojo, mas sempre legitimado e resguardado pelo seu enciclopedismo argumentativo, que se opõe e contrapõe a várias perspectivas.
Se pensarmos que esta obra começou a ser escrita e delineada deste a década de 80, podemos estar preparados para uma galeria de indagações circunscritas a várias movimentações histórico-culturais da sociedade. Apesar de uma aparente desarticulação dos textos, pela ausência de unidade temática, todos eles dialogam e convergem, internamente, seja na coerência das abordagens, na preocupação pela clareza, seja na postura e na metodologia desafiadoras.  
O primeiro ensaio apresenta, desde logo, um título barroco Das excelências axiológicas do bremontismo como hermenêutica crítica da discursividade pós-moderna – Perspectivas epistemológico-pedagógicas, e tamanha opacidade adivinha uma complexidade conceptual, quase inibidora da leitura. No entanto, como já é apanágio do autor, podemos sempre esperar requinte e ironia na apresentação e discussão dos factos. Implicitamente começa a ser desconstruída a obscuridade formal dos intelectuais, que assumem um fetiche claro pelos expedientes estilísticos e que «vendem ignorância envolta em mistério». Apesar disso, todos aprovam a parvoíce para que ninguém se revele menos digno na discussão. A verdade é que a profundidade não advém da complexificação lexical mas da distinção das complexidades semânticas, a profundidade sempre preferiu a elegância e a simplicidade, já assim é desde os Gregos. Mas afinal o que é o bremonstismo? «Explicando em linguagem da crítica corrente, é uma ruptura epistemológica na vanguarda hermenêutica-crítica apontando para o diagnóstico da textualidade vigente através da questionação fundamental interrogativa dos elementos constitutivos da discursividade» mas o autor simplifica algumas linhas abaixo em linguagem não erudita: «trata-se da análise gramatical das orações. Procura-se primeiro o predicado e o sujeito, e depois os complementos directo e indirecto, seguindo-se-lhes os complementos circunstanciais de tempo, lugar, quantidade. […] A prática da metodologia bremontista aprendia-a em criança por isso o nome que lhe dei mas reservo-o para uso pessoal. Cada um deverá escolher o seu. O meu, o bremontismo, ensinou-mo a minha professora da 4ª classe da escola primária, chamava-se Zélia Maria da Mota Machado Bremonte».
Num outro ensaio intitulado As modas que vêm de Paris, a tónica continua a ser o hermetismo de linguagens inacessíveis e não inteligíveis criado por uma elite de mentes altamente intelectualizadas. Assim, emanam da capital da Luzes para os satélites em Portugal discursos que são acriticamente replicados, reproduzidos de forma papagueante mas dotados de uma força sacramental. Qualquer profanação será entendido como um sacrilégio mas a este respeito o autor afirma com assertividade: «cá para mim, preferia mesmo substituir os intelectuais por gente que pensa. Ao menos em Portugal, que é para onde escrevo. Que na França, é com Paris» (p.51).
As discordâncias de Onésimo surgem sempre desprovidas de qualquer remoque ou ataque pessoal, mesmo quando o topos lhe diz respeito e toca na sua condição, como é o caso do ensaio Segundo recado para Miguel Torga sobre o determinismo geográfico – ou da insularidade de Vitorino Nemésio. Neste caso a polémica gera-se e floresce a partir da proposta de Torga sobre a relação de causalidade entre geografia e antropologia, e na influência da questão insular na psicologia humana. O autor não se detém a dirimir todos os argumentos, por já terem sido anteriormente desenvolvidos, no seu livro Açores, Açorianos, Açorianidade, rementendo para espaço e tempo oportunos. Ao mesmo tempo que revela pontos dissonantes no confronto com alguns autores também se confessa profundo admirador de outros, como é o caso de Jorge de Sena.
Onésimo consegue nesta sua obra de ensaios transmitir a sensação ao leitor de estar a privar na sua sala de estar porque partilha com ele bilhetes, imagens, livros e fotografias de vários momentos do seu percurso académico e profissional. Num desses momentos brinda-nos com uma troca de faxes com José Saramgo a propósito de uma contenda semântico-terminológica entre ideologia e mundividência. A preferência do autor pelo género ensaístico passa pela liberdade que este confere na análise lúcida e interventiva de assuntos estruturantes, sempre neste tom de provocação e de escrita sisifística, a fim de despentear os ambientes mais ortodoxos e de olhar pelo avesso as ideias mais renomadas e até tidas como insofismáveis.

Palavras-chave: olhar ensaístico, problematização filosófica, (re)leitura de autores, desconstrução de conceitos. 

Exorcismo
(Carlos Drummond de Andrade, Poesia e Prosa (Rio de janeiro: Editora Nova Aguilar,1979).

«Das relações entre topos e macrotopos
Do elemento suprassegmenta
Libera nos, Domine

Da semia
Do sema, do semema, do semantema
Do lexema
Do classema, do mema, do sentema
Libera nos, Domine

Da estruturação smêmica
Do idioleto e da pancronia científica
Da reliabilidade dos testes psicolinguísticos
Da análise computacional da estruturação silábica dos falares regionais
Libera nos, Domine

Do vocóide
Do vocóide nasal puro ou sem fechamento consonantal
Do vocóide baixo e do semivocóide homorgâmico
Libera nos, Domine

Da leitura sintagmática
Da leitura paradigmática do enunciado
Da linguagem fática
Da factividade e da não factividade na oração principal
Libera nos, Domine

Da organização categorial da língua
Da principalidade da língua no conjunto dos sistemas semiológicos
Da concretez das unidades no estatuto que dialetaliza a língua
Da ortolinguagem
Libera nos, Domine

Do programa epistemológico da obra
Do corte epistemológico e do corte dialógico
Do substrato acústico do culminador
Dos sistemas genitivamente afins
Libera nos, Domine

Da camada imagética
Do espaço heterotópico
Do glide vocálico
Libera nos, Domine

Da linguística frástica e transfrástica
Do signo cinésico, do signo icânico e do signo gestual
Da clitização pronominal obrigatória
Da glossemática
Libera nos, Domine

Da estrutura exo-semântica da linguagem musical
Da totalidade sincrética do emissor
Da linguística gerativo transformacional
Do movimento transformacionalista
Libera nos, Domine

Das aparições de Chomsky, de Mehler, de Perchonock
De Saussure, Cassirer, Troubetzkoy, Althusser
De Zolkiewsky, Jakobson, Barthes, Derrida, Todrov
De Greimas, Fodor, Chao, Laca net caterva

Libera nos, Domine