Autor: Onésimo Teotónio de Almeida
Título: Despenteando parágrafos
Género: Ensaios
Editora: Quetzal – Língua comum
2015
386
páginas
Resumo: O Açoriano Onésimo Teotónio de Almeida, catedrático no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da
Universidade de Brown e também reconhecido cronista e ensaísta, apresenta o seu
mais recente livro Despenteando
Parágrafos: uma colectânea de reflexões, memórias, análises críticas, em
torno de polémicas suaves.
Nas breves palavras
introdutórias, pelas quais o autor afina as expectativas do leitor,
justifica-se o título da obra, inspirado na expressão de José Cardoso Pires
“pentear parágrafos”. Ao longo de 25 ensaios e mais três “apêndices”, Onésimo
Teotónio de Almeida vai fazendo de forma acutilante e mordaz um
escrutínio das questões literárias (ou de suposta crítica literária), retóricas,
filosóficas, poéticas, linguísticas, humorísticas, questionando famigerados
conceitos como «cultura», «ciência», «dialéctica». Onésimo desafia para um diálogo várias figuras da cultura portuguesa – Vergílio Ferreira, Eduardo
Lourenço, José Saramago, Camilo Castelo Branco, Miguel Torga, Jacinto do Prado
Coelho, Natália Correia, Helder Macedo - e é com arrojo, mas sempre legitimado e resguardado pelo seu enciclopedismo argumentativo, que se opõe e contrapõe a várias
perspectivas.
Se pensarmos que esta obra
começou a ser escrita e delineada deste a década de 80, podemos estar preparados
para uma galeria de indagações circunscritas a várias movimentações
histórico-culturais da sociedade. Apesar de uma aparente desarticulação dos textos, pela ausência de unidade temática, todos eles dialogam e convergem, internamente, seja na coerência
das abordagens, na preocupação pela clareza, seja na postura e na metodologia desafiadoras.
O primeiro ensaio apresenta,
desde logo, um título barroco Das
excelências axiológicas do bremontismo como hermenêutica crítica da
discursividade pós-moderna – Perspectivas epistemológico-pedagógicas, e
tamanha opacidade adivinha uma complexidade conceptual, quase inibidora da leitura. No entanto,
como já é apanágio do autor, podemos sempre esperar requinte e ironia na apresentação e discussão dos factos. Implicitamente começa a ser desconstruída
a obscuridade formal dos intelectuais, que assumem um fetiche claro pelos expedientes estilísticos e que
«vendem ignorância envolta em mistério». Apesar disso, todos aprovam a
parvoíce para que ninguém se revele menos digno na discussão. A verdade é que a
profundidade não advém da complexificação lexical mas da distinção das
complexidades semânticas, a profundidade sempre preferiu a elegância e a
simplicidade, já assim é desde os Gregos. Mas afinal o que é o bremonstismo? «Explicando em linguagem
da crítica corrente, é uma ruptura epistemológica na vanguarda hermenêutica-crítica
apontando para o diagnóstico da textualidade vigente através da questionação
fundamental interrogativa dos elementos constitutivos da discursividade» mas o
autor simplifica algumas linhas abaixo em linguagem não erudita: «trata-se da
análise gramatical das orações. Procura-se primeiro o predicado e o sujeito, e
depois os complementos directo e indirecto, seguindo-se-lhes os complementos
circunstanciais de tempo, lugar, quantidade. […] A prática da metodologia bremontista aprendia-a em criança por
isso o nome que lhe dei mas reservo-o para uso pessoal. Cada um deverá escolher o
seu. O meu, o bremontismo, ensinou-mo a minha professora da 4ª classe da escola
primária, chamava-se Zélia Maria da Mota Machado Bremonte».
Num outro ensaio intitulado As modas que vêm de Paris, a tónica
continua a ser o hermetismo de linguagens inacessíveis e não inteligíveis criado
por uma elite de mentes altamente intelectualizadas. Assim, emanam da capital
da Luzes para os satélites em Portugal discursos que são acriticamente replicados, reproduzidos de forma papagueante mas dotados de uma força sacramental. Qualquer profanação será entendido como um sacrilégio mas a este respeito o
autor afirma com assertividade: «cá para mim, preferia mesmo substituir os
intelectuais por gente que pensa. Ao menos em Portugal, que é para onde
escrevo. Que na França, é com Paris» (p.51).
As discordâncias de Onésimo
surgem sempre desprovidas de qualquer remoque ou ataque pessoal, mesmo quando o
topos lhe diz respeito e toca na sua
condição, como é o caso do ensaio Segundo
recado para Miguel Torga sobre o determinismo geográfico – ou da insularidade
de Vitorino Nemésio. Neste caso a polémica gera-se e floresce a partir da
proposta de Torga sobre a relação de causalidade entre geografia e
antropologia, e na influência da questão insular na psicologia humana. O autor
não se detém a dirimir todos os argumentos, por já terem sido anteriormente desenvolvidos, no seu livro Açores, Açorianos, Açorianidade, rementendo para espaço e tempo
oportunos. Ao mesmo tempo que revela pontos
dissonantes no confronto com alguns autores também se confessa profundo
admirador de outros, como é o caso de Jorge de Sena.
Onésimo consegue nesta sua obra
de ensaios transmitir a sensação ao leitor de estar a privar na sua sala de
estar porque partilha com ele bilhetes, imagens, livros e fotografias de vários
momentos do seu percurso académico e profissional. Num desses momentos brinda-nos com uma troca de faxes
com José Saramgo a propósito de uma contenda semântico-terminológica entre ideologia e mundividência. A preferência do autor pelo género ensaístico passa
pela liberdade que este confere na análise lúcida e interventiva de assuntos
estruturantes, sempre neste tom de provocação e de escrita sisifística, a fim de despentear os ambientes
mais ortodoxos e de olhar pelo avesso as ideias mais renomadas e até tidas como insofismáveis.
Palavras-chave: olhar ensaístico, problematização filosófica, (re)leitura de autores, desconstrução de conceitos.
Exorcismo
(Carlos
Drummond de Andrade, Poesia e Prosa (Rio de janeiro: Editora Nova
Aguilar,1979).
«Das
relações entre topos e macrotopos
Do
elemento suprassegmenta
Libera nos, Domine
Da
semia
Do
sema, do semema, do semantema
Do
lexema
Do
classema, do mema, do sentema
Libera nos, Domine
Da
estruturação smêmica
Do
idioleto e da pancronia científica
Da
reliabilidade dos testes psicolinguísticos
Da
análise computacional da estruturação silábica dos falares regionais
Libera nos, Domine
Do
vocóide
Do
vocóide nasal puro ou sem fechamento consonantal
Do
vocóide baixo e do semivocóide homorgâmico
Libera nos, Domine
Da
leitura sintagmática
Da
leitura paradigmática do enunciado
Da
linguagem fática
Da
factividade e da não factividade na oração principal
Libera
nos, Domine
Da
organização categorial da língua
Da
principalidade da língua no conjunto dos sistemas semiológicos
Da
concretez das unidades no estatuto que dialetaliza a língua
Da
ortolinguagem
Libera nos, Domine
Do
programa epistemológico da obra
Do
corte epistemológico e do corte dialógico
Do
substrato acústico do culminador
Dos
sistemas genitivamente afins
Libera nos, Domine
Da
camada imagética
Do
espaço heterotópico
Do
glide vocálico
Libera nos, Domine
Da
linguística frástica e transfrástica
Do
signo cinésico, do signo icânico e do signo gestual
Da
clitização pronominal obrigatória
Da
glossemática
Libera nos, Domine
Da
estrutura exo-semântica da linguagem musical
Da
totalidade sincrética do emissor
Da
linguística gerativo transformacional
Do
movimento transformacionalista
Libera nos, Domine
Das
aparições de Chomsky, de Mehler, de Perchonock
De
Saussure, Cassirer, Troubetzkoy, Althusser
De
Zolkiewsky, Jakobson, Barthes, Derrida, Todrov
De
Greimas, Fodor, Chao, Laca net caterva
Libera nos, Domine