Autor: Honoré Balzac
Título: A Mulher de Trinta Anos
Género: Romance
Editora:Book.it
1ª
edição 2014
175
páginas
“No
amor é certo que se dermos demasiado não receberemos bastante. A mulher que ama
mais do que é amada há-de ser necessariamente tiranizada. O amor durável é o
que tem sempre as forças dos dois seres em equilíbrio”
H. Balzac
Resumo:
Estamos no mês de Abril de 1813,
numa manhã de domingo promissora de um dia radioso quando desce da carruagem, na rua
Castiglioni em Paris, a jovem Julie com o seu pai para assistirem juntos à parada oficial
das tropas de Napoleão Bonaparte. A jovem encantara-se, rapidamente, pelo coronel
Vitor D’Aiglemont, um homem bonito, rico, elegante e com muito prestígio
social, porém de carácter duvidoso que rapidamente se revela depois do casamento, confirmando-se assim um homem egoísta, insensível aos desejos e anseios de Julie, principalmente nas suas vivências íntimas. Passados alguns anos e ainda
neste primeiro capítulo vemos Julie D’Aiglemont muito longe da jovem feliz e
alegre de outrora, continua com o seu rosto delicado e cabelos negros, com um brilho
sobrenatural no olhar mas apesar de apaixonada pelo marido sente-se profundamente
infeliz no seu casamento.
Pouco tempo depois da morte do
pai, Julie é levada por Vítor para casa de uma tia para que este possa cumprir as suas funções
militares. Aí a Madame D'Aiglemont conhece um jovem inglês que se encantara arrebatadoramente por ela mas nunca fora correspondido. Passado algum tempo e dadas as convulsões
políticas que se avizinhavam, Vitor manda buscar a mulher e não tardou até que nascesse a filha de ambos, Helena.
Apesar de nunca ter retribuído a atenção ao
jovem fidalgo inglês Arthur Olmond, filho do lorde Grenville, ele representava
nos sonhos de Julie o símbolo da pureza e da beleza dos sentimentos, o desejo de uma
relação correspondida, simétrica e duradoura. Arthur declarou-se a Julie mas mesmo sentindo-se
infeliz no seu casamento e com todas estas certezas, ela não concebia a ideia de infidelidade e rejeitara toda e qualquer investida. Repentinamente, Artur morre de pneumonia e Julie cai em
depressão, sentindo-se a partir daí imensamente culpada por se ter negado a uma
oportunidade de amor verdadeiro, por conta dos constrangimentos sociais e éticos pelos quais sempre se sentira dominada. Consequentemente, começa a sentir-se incapaz de amar a sua filha Helena por ela
representar todas essas convenções de um casamento aparente, omisso e frustrado. Apesar da sua correcção de carácter, a Madame D’Aiglemont sempre soubera da existência da amante do
marido, a senhora Sérizy, facto que a amargurava profundamente.
A estes “Primeiros erros” do I capítulo seguem-se “os sofrimentos desconhecidos” no II e os trinta anos no
III. Nesta idade, a senhora D’Aiglemont conhece Carlos de Vandenesse, um
diplomata por quem se apaixona e se torna amante e desta relação viria a nascer Carlos Vandenesse, que morre tragicamente afogado ainda pequeno quando
brincava com Helena. O diplomata amou a senhora d’Aiglemont com essa fé da
mocidade, “com esse fervor que comunica às primeiras paixões uma graça
encantadora, uma candura que o homem só encontra em ruínas mais tarde quando
torna a amar: paixões deliciosas quase sempre saboreadas com delícia pelas
mulheres que as fazem nascer, porque nessa bela idade de trinta anos, auge
poético da vida das mulheres, elas podem abranger toda a sua vida, ver bem
tanto o passado como futuro. Estes trinta anos são o fulgor e o auge da sua
feminilidade”.
A marquesa agora com trinta
anos continuava a exibir a sua beleza e formas delicadas mas o seu maior encanto emanava de uma
fisionomia cuja calma trazia uma maravilhosa profundidade da alma. O seu olhar
cheio de brilho deixava qualquer homem superior rendido e atraído por aquela
mulher meiga e silenciosa. Do mesmo modo, a sua atitude concordava
perfeitamente com o seu rosto e modo de vestir, toda ela em equilíbrio e coerência de sentidos. Honoré Balzac diz-nos que só
a partir de uma determinada idade, algumas mulheres escolhidas sabem dar uma
linguagem à sua atitude e que uma mulher de trinta anos possui atractivos
irresistíveis para um rapaz; nada há de mais natural mais poderosamente urdido
e melhor preestabelecido do que as afeições profundas de que a sociedade nos
oferece tantos exemplos. "De facto, uma jovem tem demasiadas ilusões, demasiada
inexperiência, e o sexo é bastante cúmplice do amor, para que um homem possa
sentir-se lisonjeado. Uma mulher de vinte é arrastada pela curiosidade, por
seduções estranhas às do amor; a de trinta obedece a um sentimento
consciencioso. Uma cede a outra escolhe. A primeira só tem lágrimas e prazeres;
a segunda voluptuosidades e remorsos. Enfim, além de todas as vantagens da sua
posição, a mulher de trinta anos pode tornar-se jovem, representar todos os
papéis, ser pudica e embelezar-se até com a própria desgraça. Entre ambas,
encontra-se a diferença incomensurável do previsto ao imprevisto, da força à
fraqueza. A mulher de trinta anos satisfaz tudo, e a jovem, sob pena de deixar
de o ser, nada deve satisfazer”.
Julie teve ainda Gustavo e Abel
com Vitor e Moina com o diplomata Vandenesse, no entanto, sempre tivera muita
dificuldade em amar os seus filhos com Vítor, principalmente Helena. No
capítulo IV “O dedo de Deus” e no V “Os dois encontros”, encontramos a família
D’Aiglemont a receber um homem que lhes bate à porta pedindo auxílio, vindo-se a
descobrir que é um assassino mas por
quem Helena, agora adulta, caiu de amores. Contrariando os pais, Helena acaba mesmo por
fugir com este homem, que se torna um pirata e sete anos mais tarde reencontra
o pai feliz com os seus quatro filhos:
“-Ouça, meu pai, tenho por
amante, por esposo, por servo, por senhor, um homem cuja alma é tão vasta como
este mar sem limites, tão fértil em doçura como o Céu!Durante sete anos, jamais
lhe escapou uma palavra, um sentimento, um gesto que pudessem produzir uma
dissonância com a divina harmonia das suas palavras, das suas carícias e do seu
amor. Os meus desejos são mesmo excedidos; todos os meus caprichos,
satisfeitos! Sentir um amor, uma dedicação sem limites por aquele que se ama e
encontrar no seu coração um infinito sentimento em que a alma de uma mulher se
perde e sempre! Há ventura maior? Já devorei mil existências. A linguagem
humana é insuficiente para exprimir uma felicidade celeste”. (p 153).
Volvidos trinta anos, em 1844, entramos
no último capítulo VI “A velhice da mãe culpada” e deparamo-nos com uma viúva
que perdera três dos cinco filhos: Carlos, no desastre de Bièvre, Gustavo,
marquês d’Aiglemont que morrera de cólera, e Abel. Neste momento, a marquesa
dedica-se apenas a Moina, que mesmo casada vivia, clandestinamente, o
amor com Alfredo de Vandenesse, seu amante e irmão. O desgosto ao saber deste incesto e o sentimento de culpa que a assola vão definhando Julie que não resiste e morre aos cinquenta
anos.
Honoré Balzac confronta-nos, de forma sublime e magistral, com o que de mais decisivo existe no destino das mulheres, precisamente aquilo que elas consideram ser sempre o mais insignificante e que tantas vezes delegam nos outros: o da escolha, ou melhor, o da boa
escolha. Se esta estiver condicionada e votada às convenções, à vontade de
terceiros, a necessidades, fragilidades e carências inerentes à natureza
feminina, a vida pode tornar-se demasiadamente sofrível, pesarosa, trágica e
irremediável. Se naquela manhã de domingo de 1813, tivesse ouvido o conselho e
intuição do pai de que Vítor não era homem para ela, se não se tivesse deixado
arrebatar pelo que os sentidos induzem mas que o bom senso refreia, se não se
tivesse negado a viver desassombradamente o amor roubado e interrompido que pela sua vida passou, se não tivesse obedecido a convenções e aos grilhões de uma sociedade que a
reprimia, se tivesse rompido com determinados cenários, se tivesse ficado e mantido a força, o vigor e as certezas dos seus
trinta anos, se a primeira escolha não tivesse sido aquela, pela qual pagou uma
vida inteira…Se.