quarta-feira, 1 de julho de 2015

A Mulher de trinta anos

Autor: Honoré Balzac
Título: A Mulher de Trinta Anos
Género: Romance
Editora:Book.it
1ª edição 2014
175 páginas



“No amor é certo que se dermos demasiado não receberemos bastante. A mulher que ama mais do que é amada há-de ser necessariamente tiranizada. O amor durável é o que tem sempre as forças dos dois seres em equilíbrio”
H. Balzac


Resumo:

Estamos no mês de Abril de 1813, numa manhã de domingo promissora de um dia radioso quando desce da carruagem, na rua Castiglioni em Paris, a jovem Julie com o seu pai para assistirem juntos à parada oficial das tropas de Napoleão Bonaparte. A jovem encantara-se, rapidamente, pelo coronel Vitor D’Aiglemont, um homem bonito, rico, elegante e com muito prestígio social, porém de carácter duvidoso que rapidamente se revela depois do casamento, confirmando-se assim um homem egoísta, insensível aos desejos e anseios de Julie, principalmente nas suas vivências íntimas. Passados alguns anos e ainda neste primeiro capítulo vemos Julie D’Aiglemont muito longe da jovem feliz e alegre de outrora, continua com o seu rosto delicado e cabelos negros, com um brilho sobrenatural no olhar mas apesar de apaixonada pelo marido sente-se profundamente infeliz no seu casamento.
Pouco tempo depois da morte do pai, Julie é levada por Vítor para casa de uma tia para que este possa cumprir as suas funções militares. Aí a Madame D'Aiglemont conhece um jovem inglês que se encantara arrebatadoramente por ela mas nunca fora correspondido. Passado algum tempo e dadas as convulsões políticas que se avizinhavam, Vitor manda buscar a mulher e não tardou até que nascesse a filha de ambos, Helena. 
Apesar de nunca ter retribuído a atenção ao jovem fidalgo inglês Arthur Olmond, filho do lorde Grenville, ele representava nos sonhos de Julie o símbolo da pureza e da beleza dos sentimentos, o desejo de uma relação correspondida, simétrica e duradoura. Arthur declarou-se a Julie mas mesmo sentindo-se infeliz no seu casamento e com todas estas certezas, ela não concebia a ideia de infidelidade e rejeitara toda e qualquer investida. Repentinamente, Artur morre de pneumonia e Julie cai em depressão, sentindo-se a partir daí imensamente culpada por se ter negado a uma oportunidade de amor verdadeiro, por conta dos constrangimentos sociais e éticos pelos quais sempre se sentira dominada. Consequentemente, começa a sentir-se incapaz de amar a sua filha Helena por ela representar todas essas convenções de um casamento aparente, omisso e frustrado. Apesar da sua correcção de carácter, a Madame D’Aiglemont sempre soubera da existência da amante do marido, a senhora Sérizy, facto que a amargurava profundamente. 
A estes “Primeiros erros” do I capítulo seguem-se “os sofrimentos desconhecidos” no II e os trinta anos no III. Nesta idade, a senhora D’Aiglemont conhece Carlos de Vandenesse, um diplomata por quem se apaixona e se torna amante e desta relação viria a nascer Carlos Vandenesse, que morre tragicamente afogado ainda pequeno quando brincava com Helena. O diplomata amou a senhora d’Aiglemont com essa fé da mocidade, “com esse fervor que comunica às primeiras paixões uma graça encantadora, uma candura que o homem só encontra em ruínas mais tarde quando torna a amar: paixões deliciosas quase sempre saboreadas com delícia pelas mulheres que as fazem nascer, porque nessa bela idade de trinta anos, auge poético da vida das mulheres, elas podem abranger toda a sua vida, ver bem tanto o passado como futuro. Estes trinta anos são o fulgor e o auge da sua feminilidade”.
A marquesa agora com trinta anos continuava a exibir a sua beleza e formas delicadas mas o seu maior encanto emanava de uma fisionomia cuja calma trazia uma maravilhosa profundidade da alma. O seu olhar cheio de brilho deixava qualquer homem superior rendido e atraído por aquela mulher meiga e silenciosa. Do mesmo modo, a sua atitude concordava perfeitamente com o seu rosto e modo de vestir, toda ela em equilíbrio e coerência de sentidos. Honoré Balzac diz-nos que só a partir de uma determinada idade, algumas mulheres escolhidas sabem dar uma linguagem à sua atitude e que uma mulher de trinta anos possui atractivos irresistíveis para um rapaz; nada há de mais natural mais poderosamente urdido e melhor preestabelecido do que as afeições profundas de que a sociedade nos oferece tantos exemplos. "De facto, uma jovem tem demasiadas ilusões, demasiada inexperiência, e o sexo é bastante cúmplice do amor, para que um homem possa sentir-se lisonjeado. Uma mulher de vinte é arrastada pela curiosidade, por seduções estranhas às do amor; a de trinta obedece a um sentimento consciencioso. Uma cede a outra escolhe. A primeira só tem lágrimas e prazeres; a segunda voluptuosidades e remorsos. Enfim, além de todas as vantagens da sua posição, a mulher de trinta anos pode tornar-se jovem, representar todos os papéis, ser pudica e embelezar-se até com a própria desgraça. Entre ambas, encontra-se a diferença incomensurável do previsto ao imprevisto, da força à fraqueza. A mulher de trinta anos satisfaz tudo, e a jovem, sob pena de deixar de o ser, nada deve satisfazer”.
Julie teve ainda Gustavo e Abel com Vitor e Moina com o diplomata Vandenesse, no entanto, sempre tivera muita dificuldade em amar os seus filhos com Vítor, principalmente Helena. No capítulo IV “O dedo de Deus” e no V “Os dois encontros”, encontramos a família D’Aiglemont a receber um homem que lhes bate à porta pedindo auxílio, vindo-se a descobrir que é um assassino mas por quem Helena, agora adulta, caiu de amores. Contrariando os pais, Helena acaba mesmo por fugir com este homem, que se torna um pirata e sete anos mais tarde reencontra o pai feliz com os seus quatro filhos:
“-Ouça, meu pai, tenho por amante, por esposo, por servo, por senhor, um homem cuja alma é tão vasta como este mar sem limites, tão fértil em doçura como o Céu!Durante sete anos, jamais lhe escapou uma palavra, um sentimento, um gesto que pudessem produzir uma dissonância com a divina harmonia das suas palavras, das suas carícias e do seu amor. Os meus desejos são mesmo excedidos; todos os meus caprichos, satisfeitos! Sentir um amor, uma dedicação sem limites por aquele que se ama e encontrar no seu coração um infinito sentimento em que a alma de uma mulher se perde e sempre! Há ventura maior? Já devorei mil existências. A linguagem humana é insuficiente para exprimir uma felicidade celeste”. (p 153).
Volvidos trinta anos, em 1844, entramos no último capítulo VI “A velhice da mãe culpada” e deparamo-nos com uma viúva que perdera três dos cinco filhos: Carlos, no desastre de Bièvre, Gustavo, marquês d’Aiglemont que morrera de cólera, e Abel. Neste momento, a marquesa dedica-se apenas a Moina, que mesmo casada vivia, clandestinamente, o amor com Alfredo de Vandenesse, seu amante e irmão. O desgosto ao saber deste incesto e o sentimento de culpa que a assola vão definhando Julie que não resiste e morre aos cinquenta anos.
Honoré Balzac confronta-nos, de forma sublime e magistral, com o que de mais decisivo existe no destino das mulheres, precisamente aquilo que elas consideram ser sempre o mais insignificante e que tantas vezes delegam nos outros: o da escolha, ou melhor, o da boa escolha. Se esta estiver condicionada e votada às convenções, à vontade de terceiros, a necessidades, fragilidades e carências inerentes à natureza feminina, a vida pode tornar-se demasiadamente sofrível, pesarosa, trágica e irremediável. Se naquela manhã de domingo de 1813, tivesse ouvido o conselho e intuição do pai de que Vítor não era homem para ela, se não se tivesse deixado arrebatar pelo que os sentidos induzem mas que o bom senso refreia, se não se tivesse negado a viver desassombradamente o amor roubado e interrompido que pela sua vida passou, se não tivesse obedecido a convenções e aos grilhões de uma sociedade que a reprimia, se tivesse rompido com determinados cenários, se tivesse ficado e mantido a força, o vigor e as certezas dos seus trinta anos, se a primeira escolha não tivesse sido aquela, pela qual pagou uma vida inteira…Se.